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maio 17, 2011

Será que ele é? (Primeira Parte)


Os vegetarianos costumam ser bastante convictos de que se alimentar sem despojos de animais é a única alternativa ética e responsável e de que o mundo seria um lugar bem melhor se todas as pessoas fossem vegetarianas. Por isso, recorrem a um verdadeiro arsenal de argumentos para defender a causa. Falam de direitos animais, falam de saúde e nutrição, falam de meio ambiente e sustentabilidade – e falam também de celebridades.
Poderíamos dedicar um artigo inteiro a discutir esse tipo de argumentação periférica, que já vem sendo alvo constante de críticas dentro do próprio movimento de libertação animal. Poderíamos gastar muitas linhas questionando qual o real valor desse “apelo à idolatria” para a difusão do vegetarianismo, questionando que relação tem a música, o cinema ou a física, por exemplo, com ser ou não vegetariano. Alguém já escreveu:
“Que tipo de argumentação a favor do vegetarianismo é ser bonito, tocar guitarra ou ser cientista?Reverenciar alguns nomes famosos desvia a atenção aos personagens em lugar das ideias que eles expressam. Cria-se uma aura de fascinação ao redor de tais seres que inibe toda a reflexão crítica sobre o que dizem, fazem ou representam (…).”
De fato, divulgar nomes de supostos vegetarianos famosos é, no fundo, a boa e velha falácia do apelo à autoridade. O argumento de autoridade, também conhecido como argumentum ad verecundiam ouargumentum magister dixit, é uma falácia lógica. Sua forma básica é a seguinte:
1. O sujeito A afirma a proposição B.
2. Há algo de positivo em relação ao sujeito A.
3. Portanto, a proposição B é verdadeira.



Esse raciocínio é absurdo, pois a conclusão baseia-se exclusivamente na credibilidade do autor da proposição e não nas razões que ele tenha apresentado para sustentá-la. Particularizemos invocando um exemplo muito comum em nosso mundinho veg:
1. Albert Einstein afirma que o vegetarianismo seria benéfico para a humanidade como um todo.
2. Há algo de positivo em relação a Albert Einstein; aliás, há muitas coisas positivas em relação a ele: foi um cientista brilhante (talvez o mais genial que a humanidade já concebeu), um inspirado pacifista, um pensador crítico e original, etc.
3. Portanto, a proposição de Einstein acerca do vegetarianismo é verdadeira.
Mas não. Não vamos fazer nada disso. Não vamos, aqui, tecer críticas à utilização do argumento de autoridade (via invocação de supostas celebridades vegetarianas). Vamos nos deter em um aspecto ainda mais desconcertante desse tipo de argumentação: não bastasse a fragilidade e a tosquice do argumento em si, a maioria das celebridades citadas como exemplos de vegetarianos sequer o são. Mesmo assim, centenas de sites seguem replicando tais nomes como se fossem, deveras, baluartes da causa vegetariana – e, pior ainda, milhares e milhares de vegetarianos ajudam a propagar tais inverdades históricas, prestando um verdadeiro desserviço à causa. Prova viva disso é a alarmante proliferação de álbuns contendo fotos de celebridades pseudovegetarianas nos perfis de vegetarianos nas várias redes sociais hoje existentes.
Quem me conhece sabe que o meu prazer é provocar o desprazer alheio. Portanto, no presente artigo, vou estragar a festa e desmascarar algumas dessas “figurinhas fáceis” que, por engano, frequentam álbuns de vegetarianos bem intencionados. Seria, é claro, muito chato, longo e tedioso colocar os pingos nos “is” com relação a todas as celebridades mais comumente citadas, pois são centenas. Neste primeiro artigo, apenas como uma pequena amostra, cortarei a cabeça de São Francisco de Assis, Albert Schweitzer, Albert Einstein, Charles Darwin, Thomas Edison e Benjamin Franklin. Na segunda parte, será a vez de Aristóteles, Dalai Lama, Isaac Newton, Van Gogh, Beatles, Angelina Jolie e Brad Pitt. Assim procedendo, espero despertar o senso crítico e investigativo de cada pessoa que decida publicar nomes e/ou fotos de celebridades como forma de “ajudar” na promoção do vegetarianismo. Antes de rolarem as cabeças, fica a dica: quando você se deparar com aquela fotinho de um famoso supostamente vegetariano, não a replique; pare, pense e duvide – “será que ele é?”.
São Francisco de Assis
Há quem diga que São Francisco de Assis (1181–1226) foi vegetariano e que “amava” os animais de maneira muito especial, sendo hoje, inclusive, o padroeiro dos animais na Igreja Católica. Essa hipótese se sustenta na relação de proximidade que ele tinha com a natureza e com os animais, os quais chamava de irmãos. Diz-se, baseado nisso, que ele “não comeria seus próprios irmãos”. No entanto, para começar a se dar conta de que o buraco é mais embaixo, basta lembrar que Francisco de Assis considerava não só os animais como seus irmãos: ele se considerava irmanado a tudo o que Deus havia criado, de maneira holística. Essa forma de ver o mundo ficou expressa, com clareza, no seu “Cântico ao irmão sol”, poema no qual chamou os ventos, o sol, a lua, o fogo e outros elementos do mundo natural de irmãos, convidando todos a celebrarem juntos a maravilha do mundo. Sim, Francisco de Assis tratava os animais como irmãos e não raro os doutrinava como se fossem pessoas; todavia, também eram seus irmãos, de igual status, os pedregulhos, os ramos de trigo, os frutos das árvores, etc. Em outras palavras: na visão mística de Francisco, os animais não eram reconhecidos como portadores de algum direito especial, eram apenas tão importantes quanto tudo que Deus havia criado; ou seja, os animais eram dignos de respeito e reverência assim como era digno de respeito e reverência um pé de alface. E esse respeito e essa reverência generalizada e desmedida por toda a criação de Deus não implicam, logicamente, não comer nada que tenha sido criado por Deus. Toda a natureza era irmã de Francisco; porém, quando necessário, ele comia algum elemento dela, fosse planta ou animal.
Recorramos às fontes históricas da própria ordem franciscana, mais precisamente à obra de Tomás de Celano (1200–1270 ?), um frade que foi contemporâneo e biógrafo de Francisco de Assis. Ele assim escreve sobre o cuidado com os irmãos, o desprezo por si mesmo e a humildade que tinha São Francisco:
“Nunca ou rarissimamente admitiu comidas cozidas. Se eram admitidas, muitas vezes misturava-lhes cinza ou lhes tirava o tempero com água fria. Quantas vezes, andando pelo mundo a pregar o Evangelho de Deus, foi convidado para almoçar com importantes príncipes que tinham toda admiração e veneração por ele, e apenas provava os pratos de carne para observar o santo Evangelho, mas ia guardando o resto dentro da roupa, embora parecesse estar comendo, para que ninguém percebesse o que estava fazendo.”
(Tomás de Celano. “Primeira Vida de São Francisco”, cap.XIX n.51)
“Quando, como é natural, a fome o obrigava a comer, nunca se satisfazia além do necessário. Certa vez que estava doente, comeu um pouco de carne de galinha.”
(Tomás de Celano. “Primeira Vida de São Francisco”, cap.XIX n.52)
Os comportamentos descritos acima, hoje, seriam indícios fortes de anorexia, não de santidade. Outro importante biógrafo de São Francisco foi Bonaventura (1221–1274), que nos deixou vários relatos de como Francisco se impunha longos períodos de fome, de como se feria com açoites, de como se deitava na neve quase até morrer congelado, entre tantas outras práticas masoquistas. Sobre isso, escreve Bonaventura:
“Ele [Francisco] costumava chamar seu próprio corpo de ‘Irmão Asno’, porque ele achava que o mesmo deveria ser submetido a trabalhos pesados, surrado frequentemente com chicotes e alimentado com a comida mais pobre.”
(Bonaventura. “The Life of St. Francis”, 1978, p.222)
Bem, se essa era a concepção de Francisco sobre como um asno deveria ser tratado, considerá-lo protetor e padroeiro dos animais é, no mínimo, questionável. Bonaventura ainda nos informa a respeito dos hábitos alimentares de Francisco: sua ração diária consistia em uns pedacinhos de pão e, talvez, alguma erva ou sopa rala. A razão para isso não era evitar a ingestão de carne por qualquer tipo de escrúpulo ético, mas sim evitar conceder ao corpo qualquer coisa que lhe desse prazeres mundanos.
Em resumo: Francisco de Assis venerava toda a natureza sem estabelecer algum patamar especial de consideração moral para os animais, comia muito pouco (porque era um asceta que curtia uma automortificação), mas não tinha nenhuma oposição fundamental à ingestão de pedaços de animais, assim como não tinha nenhuma oposição fundamental à ingestão de legumes, verduras ou frutas (quando necessário, comia o que estivesse disponível). São Francisco de Assis não foi vegetariano, nem a ordem que fundou o foi, apesar de alguns franciscanos individuais o terem sido (para uma interessante discussão sobre a relevância e preponderância do vegetarianismo entre monges franciscanos, ver o capítulo sobre Cristianismo no livro “Food for the Gods: Vegetarianism & the World’s Religions”, do historiador Rynn Berry).
Albert Schweitzer
Albert Schweitzer (Kaysersberg, 14 de janeiro de 1875 – Lambaréné, 4 de setembro de 1965) foi um teólogo, músico, filósofo e médico alemão, nascido na Alsácia, então parte do Império Alemão (atualmente, uma região administrativa francesa). Em 1952, recebeu o Prêmio Nobel da Paz pela sua filosofia da “Reverência pela Vida”, a qual ele expressava de muitos modos, na teoria (escrevendo livros, por exemplo) e na prática (conduzindo, por exemplo, obras assistencialistas no atual Gabão). E, dizem as más línguas, era vegetariano. Mas não era. Para entender por que Schweitzer não se abstinha completamente de ingerir pedaços de animais, devemos, antes de mais nada, compreender o pensamento filosófico desse famoso polímata, sintetizado na tal “Reverência pela Vida”.
Schweitzer acreditava que a civilização ocidental estava em decadência porque havia abandonado o respeito pela vida como fundamento ético. Assim ele escreveu: “Eu sou vida que quer viver, no meio de vida que quer viver” (Schweitzer, “A Filosofia da Civilização”, p.309). Esse é o princípio básico. Schweitzer nem mesmo suaviza sua ética, reescrevendo-a com os laivos budistas de “não tomar nenhuma vida desnecessariamente”. Sua ética consiste, estrita e idealmente, em não tomar nenhuma vida. “A ética é a responsabilidade sem limites para tudo o que vive” (Schweitzer, p.311). Isso faz com que sua ética seja uma ética absoluta, ainda que não apresente listas de “assim farás” e “assim não farás”. No entanto, se quisermos permanecer vivos, teremos de passar por cima desse preceito básico e deixar de lado a reverência pela vida em algum momento, pelo menos no momento em que, deliberadamente, reduzimos o status de algum “ser que vive” para “coisa a ser comida”. O dilema se estabelece, então, entre ser uma pessoa verdadeiramente ética, que reverencia a vida e que está morrendo de fome e que tem bactérias infectando todos os poros do seu corpo, ou ser alguém que come. Um indivíduo que procedesse do primeiro modo poderia ser chamado de santo, mas a maioria das pessoas não seria capaz de se submeter a essa forma de vida extremamente ascética. Mesmo Albert Schweitzer não o fez. E, evidentemente, essa não é a solução para o dilema ético do comer. Os vegetarianos se abstêm de comer carne ou derivados de animais, o que realmente evita que seja ceifada a vida dos animais. No entanto, essa postura resolve apenas parcialmente o problema. Apesar de os vegetarianos não comerem produtos animais, eles comem verduras, frutas, grãos, castanhas. A vida ainda está sendo tomada, embora seja a vida dos vegetais. Então, como Albert Schweitzer não estabelece uma hierarquia, dizendo “os seres humanos, os macacos, os leões, as vacas, as galinhas, os peixes, as aranhas, os moluscos, os insetos, o aipo, a batata, as bactérias e assim por diante”, ser vegetariano não resolve o dilema. Como toda vida é vida para ser reverenciada e considerada como igual, o bem não é feito escolhendo-se devorar uma forma de vida em detrimento de outra. Parece que Schweitzer nos coloca em um beco sem saída; porém, o pensador alemão não queria fazer dessa ética universal uma doutrina fundamentalista. Ao contrário, ele queria que cada ser humano encontrasse o equilíbrio, estabelecendo o caminho para si mesmo. Embora a reverência pela vida de Schweitzer seja absoluta, é uma absoluta impossibilidade do ponto de vista prático. E ele sabia bem disso.
Por essa razão, como afirma o próprio site da fundação e museu AISL (Association Internationale de l’oeuvre du docteur Albert Schweitzer de Lambaréné), “Schweitzer foi raramente, ou nunca, dogmático sobre a aplicação da reverência pela vida a problemas morais concretos”. E o texto prossegue:
“Ele [Schweitzer] é, muitas vezes, mal compreendido. Schweitzer não era um vegetariano estrito e ele não era contrário a todas as pesquisas com animais. O que ele destacou foi a responsabilidade: ‘Para o homem que é verdadeiramente ético, toda vida é sagrada, incluindo até mesmo aquela que, do ponto de vista humano, parece inferior. Sob a pressão da necessidade, o homem acaba fazendo distinções, como, por exemplo, quando cai em suas mãos decidir qual entre duas vidas que ele deve sacrificar a fim de preservar a outra. Mas, nesse caso, ele sabe que é o responsável pela vida que é sacrificada.’”
A União Vegetariana Internacional (IVU) corrobora, em tom meio constrangido, a afirmação da AISL a respeito do suposto vegetarianismo de Schweitzer:
“Schweitzer, provavelmente, nunca foi completamente vegetariano, como pode ser visto a partir dos itens a seguir, embora ele tenha manifestado o seu apoio aos ideais e haja alguns indícios de que ele pode ter se tornado vegetariano nos últimos anos de sua vida.”
E, de fato, ele parecia simpatizar com a ideia, embora não se esforçasse muito para colocá-la em prática. No volume “Here’s Harmlessness: An Anthology of Ahimsa”, compilado por H. Jay Dinshah (fundador da Sociedade Vegana Americana) há diversas citações de Schweitzer, incluindo a seguinte: “Estou consciente de que o consumo de carne não está de acordo com os sentimentos mais sutis e abstenho-me dela sempre que posso.” E, é óbvio, “sempre que posso” é bastante diferente de “sempre”. No livro “The Vegetable Passion”, de Janet Barkas (1975), lemos que “Schweitzer estava convencido do vegetarianismo como um ideal de reverência pela vida e lamentou que ele não podia cumprir essa meta tão completamente como ele teria gostado. Em seus últimos anos, ele se tornou um vegetariano mais consistente.” Barkas parece ter obtido essa informação de uma escritora chamada “Anita Daniel, que compartilhou muitos almoços e jantares com Schweitzer, em sua casa na aldeia de Günsbach, Alsácia”. De novo, cabe ressaltar que “mais consistente” não quer dizer “consistente”. Por sua vez, em artigo para o extinto “News Chronicle”, assim escreveu o jornalista britânico James Cameron, que visitou Schweitzer no Gabão (e que não tem nada a ver com o sujeito que nos legou certa película cinematográfica de gosto duvidoso sobre um transatlântico que afunda e outra ainda pior sobre conflitos territoriais e ecológicos entre humanos e alienígenas azuis):
“O médico só come frutas e legumes – mas consideravelmente grandes quantidades de manga, abacate e soja e, sobretudo, uma variedade particularmente grande de banana cozida.”
Poderíamos, agora, parar e fazer mil piadinhas e trocadilhos cretinos com o fato de Schweitzer gostar de assar um bananão; contudo, esse não é o intuito do texto – e, portanto, vamos à inevitável conclusão: dadas as fontes históricas, o mais provável é que Schweitzer, reverenciando tudo o que vive, tenha sempre privilegiado uma alimentação frugal, despida de excessos, sem, no entanto, expulsar definitivamente (e por convicção filosófica) a carne do seu prato. Em suma: tirando o componente “sadomasô” e a anorexia, era quase um São Francisco de Assis.
Albert Einstein
Ok, ele dispensa apresentações, mas vamos lá: Albert Einstein (Ulm, 14 de Março de 1879 — Princeton, 18 de Abril de 1955) foi um físico teórico alemão radicado nos Estados Unidos. Em 2009, foi eleito, por cem físicos renomados, como o mais memorável físico de todos os tempos. Ficou conhecido por provar a existência dos átomos, por desenvolver a teoria da relatividade, por ter recebido o Nobel de Física de 1921 (em reconhecimento à sua explicação para o efeito fotoelétrico) e por ser vegetariano. Mas não era.
A União Vegetariana Internacional, mais uma vez, esclarece:
Não há nenhuma evidência de que Einstein tenha praticado o vegetarianismo. Janet Barkas, em ‘The Vegetable Passion’ de 1975, disse: ‘Wagner, assim como Jean Jacques Rousseau antes dele e Albert Einstein depois dele, aderiu ao vegetarianismo como um ideal – em termos de ética e de fisiologia. Mas eles não conseguiram implementar as suas crenças (…).’”
Existe um documento de 27 de dezembro de 1930 que mostra o quanto Einstein simpatizava com o vegetarianismo, embora não o praticasse. Trata-se de uma carta do físico ao jornal “Vegetarische Warte”, uma publicação da Deutscher Vegetarier-Bund (Federação Vegetariana Alemã). A missiva, enviada aos cuidados do Sr. Hermann Huth, vice-presidente da entidade, dizia:
Apesar de ter sido impedido por circunstâncias exteriores de observar uma dieta estritamente vegetariana, tenho sido um adepto da causa, em princípio. Além de concordar com os objetivos do vegetarianismo por motivos estéticos e morais, é minha opinião que o modo de vida vegetariano, por seu efeito puramente físico no temperamento humano, seria influência muito benéfica para a humanidade como um todo.”
Outra carta, datada de 03 de agosto de 1953 (cerca de um ano e meio antes de Einstein morrer) e enviada a Max Kariel, parece indicar que, na época, Einstein sustentava essa admiração pelo vegetarianismo, embora ainda comesse carne:
Eu sempre comi carne animal com um tanto de consciência pesada.”
Contudo, há uma pequena evidência circunstancial de que ele talvez tenha se tornado vegetariano no último ano de sua vida (se tanto), embora, de fato, desde antes, tenha sido um apoiador da ideia. A tal evidência é um trecho de uma carta que Einstein enviou para um amigo seu, o médico Hans Mühsam, de Berlim, em 30 de março de 1954, isto é, um ano antes de morrer:
“Então eu estou vivendo sem gorduras, sem carnes, sem peixes, mas estou me sentindo muito bem dessa forma. Sempre me pareceu que o homem não nasceu para ser um carnívoro.”
Todas as citações acima são bastante fiáveis, pois foram extraídas de documentos catalogados no acervo do “Arquivo Einstein”, da Universidade Hebraica de Jerusalém, que concentra todo material original produzido pelo cientista. As citações acima também estão presentes nos livros “The Einstein Almanac” e “The New Quotable Einstein”, redigidos por Alice Calaprice, editora sênior da Princeton University Press e pesquisadora que trabalhou com os documentos de Einstein por mais de 20 anos. Todavia, aquele que é, provavelmente, o mais famoso aforismo pró-veg de Einstein não se encontra em nenhuma fonte original confiável. Trata-se da frase:
“Nada beneficiará a saúde humana e aumentará as chances de sobrevivência da vida na Terra como a evolução para uma dieta vegetariana.”
De fato, no livro “The New Quotable Einstein”, essa citação aparece na sessão “Provavelmente não dito por Einstein”.
Em resumo, não há nenhuma prova contundente e inquestionável de que Einstein tenha sido um legítimo vegetariano; parece, isto sim, que ele sempre teve afinidade com a ideia, mas sem conseguir transformá-la em prática efetiva – e é isso que o vegetarianismo, em última instância, é.
Charles Darwin
Charles Robert Darwin (Shrewsbury, 12 de Fevereiro de 1809 — Downe, Kent, 19 de Abril de 1882), naturalista britânico que alcançou fama ao convencer a comunidade científica da ocorrência da evolução das espécies e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual, é mais um ícone que costuma aparecer em listinhas de vegetarianos famosos. A própria União Vegetariana Internacional lamenta esse fato:
Não há nenhuma evidência de que Darwin tenha sido um vegetariano – embora, infelizmente, ele apareça em listas de vegetarianos famosos em diversos sites.”
Toda a confusão parece ter surgido a partir de algumas observações esparsas de Darwin acerca do que ele acreditava que fosse a dieta “natural” ou “original” da espécie homo sapiens.
A primeira é uma citação de Darwin supostamente retirada de sua obra magna “A Origem das Espécies” e replicada no artigo “Onívoro ou vegetariano? O que famosos naturalistas pensam a respeito” (1996), escrito por Luis Vallejo Rodríguez, autor de várias obras sobre “alimentação natural” e coisas do tipo:
“A classificação de formas, funções orgânicas, hábitos e dietas mostrou, de forma evidente, que o alimento normal do homem é vegetal, como os antropóides e símios, e que os nossos dentes caninos são menos desenvolvidos do que os deles e que não estamos destinados a competir com as bestas selvagens ou animais carnívoros.”
Ainda segundo Vallejo Rodríguez, Darwin teria afirmado, em “A Linhagem do Homem”:
“Embora não saibamos nada certo sobre o tempo ou o lugar em que o homem perdeu o pelo espesso que o cobria, com muita probabilidade de estarmos certos, poderíamos dizer que ele deve ter vivido em um país quente, onde as condições eram favoráveis ao modo de vida frugívoro, que, a julgar pelas analogias, deve ter sido a maneira como o homem viveu.”
Há três grandes problemas em deduzir, a partir dessas frases, que Darwin tenha sido um vegetariano.
O primeiro problema é que, mesmo sendo legítimas as citações, é bastante forçado supor que um cientista acabe, de fato, aplicando, no seu próprio dia-a-dia, os corolários práticos de todas as suas observações teóricas e empíricas acerca da natureza; ou seja, acreditar que venha a se tornar vegetariano um cientista que julgue ser mais natural para o ser humano a dieta baseada em vegetais é tão absurdo quanto acreditar que, necessariamente, venha a se tornar infiel e promíscuo um cientista do sexo masculino que constate que é natural aos machos da espécie buscar fecundar o maior número de fêmeas a fim de garantir a continuidade de sua genética nas futuras gerações.
O segundo problema é que, infelizmente, após busca exaustiva, eu próprio não consegui confirmar a veracidade dessas duas citações de Darwin. As obras de Darwin são de domínio público e se encontram disponíveis em diversos repositórios digitais; assim, basta acessar um deles, abrir o arquivo de “A Origem das Espécies” ou de “A Linhagem do Homem” e digitar alguns termos-chave das citações nos mecanismos de busca para constatar que nenhum resultado condizente surge.
O terceiro problema é que a prática do vegetarianismo não combina nem um pouco com alguns fatos historicamente comprovados da biografia de Darwin. Para começar, durante sua época de estudante na Universidade de Cambridge, Darwin participou de uma espécie de “grupo de gastronomia” com seus colegas. Era, na realidade, um clube de jantar semanal, chamado oficialmente de “Clube Gourmet”, mas mais comumente conhecido como “Clube Glutão”. Nas reuniões do clube, o mote era praticar uma glutonice extrema e experimental, jantando “pássaros e animais antes desconhecidos ao paladar humano”. Chegaram a comer falcão e alcaravão (uma ave seminoturna, de tamanho médio, com um forte bico amarelo e preto, grandes olhos amarelos, e plumagem castanha clara riscada), mas resolveram desistir depois de comer uma velha coruja marrom “que foi indescritível” (“The Life and Letters of Charles Darwin”, cap.IV). Além disso, durante toda sua vida, Darwin cultivou certo prazer em caçar e matar animais. Um lado de Darwin raramente discutido na literatura popular e científica foi o seu sadismo. Uma de suas paixões que reflete essa faceta foi o seu amor por tiro, caça e armas. O interesse de Darwin em tiro e caça não era incomum na Inglaterra do século XIX, mas ele foi muito além da maioria de seus contemporâneos. Um exemplo claro do seu impulso sádico foi quando, ainda menino, Darwin espancou “um filhote de cachorro (…) simplesmente para desfrutar a sensação de poder” (“The Life and Letters of Charles Darwin”, cap.II). E não parou por aí. Embora Darwin tenha aprendido a manejar uma arma antes dos seus quinze anos, a caça não se tornou uma paixão até que ele matou seu primeiro animal. Suas próprias palavras, registradas em sua autobiografia, são uma ilustração viva de quão importante era matar animais para ele:
“Na última fase da minha vida escolar, eu me tornei um amante apaixonado da caça, e eu não posso crer que alguma pessoa tenha mostrado mais zelo por alguma santa causa do que eu mostrei por atirar em aves. Lembro-me bem de matar a minha primeira narceja, e minha excitação foi tão grande que eu tive muita dificuldade em recarregar minha arma por causado tremor de minhas mãos. Esse gosto continuou em mim, e eu me tornei muito bom atirador.”
(“The Life and Letters of Charles Darwin”, cap.II)
Mais tarde, Darwin chegou a idealizar um elaborado sistema para registrar, de forma precisa, os animais que matava. Sua lista foi subdividida em perdizes, lebres e faisões, a fim de manter um cômputo de “tudo o que ele havia matado durante a temporada” (“Charles Darwin: Voyaging”, de Janet Browne, p.110). O seguinte trecho de sua autobiografia também testemunha sobre quão importante foi para ele o abate de animais:
“Mantive um registro exato de todas as aves que eu alvejei durante a temporada. Um dia, quando caçava (…), eu me senti vergonhosamente enganado por cada vez que, depois de eu ter atirado e pensado que havia matado um pássaro, um dos dois guarda-caças que me acompanhavam agia como se carregasse a arma e gritava: ‘Você não deve contar esta ave, pois eu disparei ao mesmo tempo’ (…). Após algumas horas, eles me disseram que era brincadeira, mas não foi uma simples brincadeira para mim, porque eu tinha alvejado um grande número de aves, mas não sabia quantas, e não poderia acrescentá-las à minha lista.”
(“The Life and Letters of Charles Darwin”, cap.II)
Conclusão: Darwin estava mais para um churrasqueiro sádico do que para um vegetariano ético.
Thomas Edison
Thomas Alva Edison (Milan, Ohio, 11 de Fevereiro de 1847 — West Orange, Nova Jérsei, 18 de Outubro de 1931) foi um inventor e empresário dos Estados Unidos que fez contribuições grandiosas para o desenvolvimento tecnológico e científico. Em sua vida, Thomas Edison registrou mais de 1000 patentes, sendo amplamente considerado o maior inventor de todos os tempos. Entre os seus inventos mais famosos, estão a lâmpada elétrica incandescente, o gramofone, o cinescópio ou cinetoscópio, o ditafone e o microfone de grânulos de carvão para o telefone. Imaginem que privilégio seria para nós, vegetarianos, contar com figura de tamanho vulto entre os nossos! Porém, apesar do que muitos espalham por aí, de fato não contamos com ele.
A boataria começou em junho de 1908, quando a revista “Vegetarian Messenger”, publicada pela Sociedade Vegetariana da Grã-Bretanha, veiculou a seguinte nota:
“Sr. Edison vegetariano – Durante recente doença, sofrendo de mastoidite, o Sr. Thos. Alva Edison, o famoso inventor, cessou o uso da carne e partiu para um período de completo vegetarianismo. Edison ficou tão satisfeito com a mudança de dieta que, agora que recuperou sua saúde normal, ele continua a renunciar a carne em todas as suas formas.”
Parece que temos, aí, uma prova definitiva de que Edison não se entregava aos prazeres da chuleta, da coxa de frango ou do peixinho grelhado. Mas não é bem assim. A União Vegetariana Internacional, uma vez mais, não falha em seu compromisso com a verdade e esclarece:
“Neste momento, não temos nenhuma informação para saber se ele continuou com o vegetarianismo.”
Apesar da ausência de qualquer evidência concreta, muitos acreditam que ele tenha permanecido vegetariano e alegam que essa postura se coadunaria com sua famosa postura pacifista e contrária à violência. Alguns chegam a dizer que o princípio de não-violência era fundamental para as concepções morais de Edison, pois, por exemplo, quando foi solicitado a servir como consultor da marinha durante a Primeira Guerra Mundial, ele teria especificado que só trabalharia no desenvolvimento de armas defensivas e, depois, teria dito: “Eu me orgulho do fato de que eu nunca inventei armas para matar.” Ao dizer isso, Edison provavelmente se esqueceu, entre tantos inventos, de que ele próprio havia criado, durante sua adolescência em Port Huron, uma ratoeira elétrica para caçar os ratos da pensão onde morava. Mesmo assim, alguns creem que a filosofia de não-violência de Edison seria extensiva aos animais, pois, certa feita, ele declarou: “A não-violência leva à mais elevada ética, que é o objetivo de toda evolução. Até pararmos de prejudicar todos os outros seres vivos, ainda seremos selvagens” (citado em “Innovate Like Edison: The Success System of America’s Greatest Inventor” de Sarah Miller Caldicott e Michael J. Gelb, p.37).
Todavia, parece que essa filosofia de não-violência não era uma convicção muito profunda para Edison e que os animais, para ele, não significavam grande coisa. No livro “Famous Vegetarians and their favorite recipes”, o historiador Rynn Berry afirma, em trecho do segundo apêndice à obra (intitulado “Por que Newton, Einstein, Edison e Schweitzer não eram vegetarianos”):
Thomas Edison, com certeza, não era vegetariano – ele frequentemente eletrocutava animais em público para demonstrar os poderes da corrente elétrica contínua.”
Outras fontes corroboram esse fato macabro, evidenciando que Edison era bom de fala e ruim de atitude. No livro “Empires of Light: Edison, Tesla, Westinghouse, and the Race to Electrify the World”, de Jill Jonnes, aprendemos que Edison tornou-se notório por ter eletrocutado um grande número de cães em 1888, tanto por corrente elétrica contínua quanto alternada, em uma tentativa de demonstrar que a primeira (a qual ele promovia por interesse comercial próprio) era mais segura do que a segunda (defendida por seu rival George Westinghouse, engenheiro e pioneiro da indústria da eletricidade). O empenho de Edison em vender seu produto e provar que a corrente contínua era menos perigosa do que a corrente alternada foi tanto que ele chegou a dizer que a corrente alternada era letal a ponto de matar instantaneamente, sendo, pois, um método ideal de execução. Sua influência era tão grande que o estado achou a ideia muito boa, instituindo a cadeira elétrica em Nova Iorque, em 1889. Westinghouse, o magnata da corrente alternada, ficou aviltado e furioso com esse novo uso para os geradores de corrente alternada e se recusou a fornecer os dispositivos elétricos para o governo. Adivinhem quem o fez? No artigo “Death, Money and the History of the Electric Chair”, de Mary Bellis, encontramos a resposta:
“Em 01 de janeiro de 1889, a primeira lei do mundo para execução elétrica começou a vigorar. Westinghouse protestou contra a decisão e se recusou a vender qualquer gerador de corrente para as autoridades prisionais. Thomas Edison e Harold Brown [engenheiro contratado de Edison] forneceram os geradores de corrente necessários para as primeiras cadeiras elétricas. George Westinghouse financiou os recursos jurídicos para os primeiros prisioneiros condenados à morte por eletrocussão, com base no fato de que ‘a eletrocussão era uma punição cruel e incomum’. Edison e Brown garantiram ao estado que a execução era uma forma rápida e indolor de morte, e o Estado de Nova York ganhou o recurso.”
Em agosto de 1890, na Prisão Auburn, em Nova Iorque, foi executado o primeiro condenado à cadeira elétrica, um sujeito chamado William Kemmler, que havia assassinado a esposa. O primeiro choque aplicado durou 17 segundos, depois dos quais Kemmler permanecia vivo. Foi necessário religar a corrente elétrica para matá-lo, o que só ocorreu quando ele já estava quase cozido. O tempo total da execução foi de 8 minutos. Entre as 17 testemunhas do lúgubre evento, estava Westinghouse, que, tempos depois, procurado por um repórter, declarou: “Eu não me importo de falar sobre isso. Foi algo brutal. Eles poderiam ter feito melhor com um machado” (citado em “AC/DC: The Savage Tale of the First Standards War”, de Tom McNichol).
Nos seus últimos anos de vida, Edison descambou para uma certa ortorexia, isto é, uma obsessão por se alimentar de forma “correta” (e trata-se, aqui, de fato, de um “correta” entre aspas, porque, via de regra, as dietas adotadas pelos ortoréxicos são desatinadas e nem um pouco saudáveis). Diz-se que, na época, ele foi influenciado por uma dieta da moda, e, por isso, “o único líquido que ele consumia era um litro de leite a cada três horas” (“Edison: A Life of Invention”, Paul Israel). Em 1930, um ano antes Edison morrer, Mina, sua esposa, disse em uma entrevista que “comer corretamente é um dos seus maiores hobbies” (revista Reader’s Digest, março de 1930).
Nada disso, no entanto, prova a especulação de que Edison era vegetariano. E não era mesmo. Aliás, pensando melhor, dados os antecedentes acima, é motivo de orgulho para nós, vegetarianos, que ele não tenha sido: um ortoréxico que eletrocutava cachorros e lucrava com a cadeira elétrica – não, nós não precisamos disso.
Benjamin Franklin
Benjamin Franklin (Boston, 17 de Janeiro de 1706 — Filadélfia, 17 de Abril de 1790) foi um jornalista, editor, escritor, filantropo, abolicionista, funcionário público, cientista, diplomata, músico, humorista, inventor e enxadrista americano. Foi um dos líderes da Revolução Americana, conhecido por suas citações espirituosas e por suas experiências com a eletricidade. Mais um renomado polímata tido como vegetariano. Mas não era.
Diz-se que Ben Franklin teria adotado o vegetarianismo durante sua juventude. Isso é verdade. Com a palavra, o próprio Ben, a partir de um trecho de sua autobiografia:
“Quando tinha cerca de 16 anos de idade, aconteceu de eu encontrar um livro, escrito por um certo Tryon, recomendando uma dieta vegetal. Decidi adotá-la. (…) Minha recusa a comer carne ocasionou inconveniências, e eu era frequentemente repreendido por causa da minha singularidade. Fiz-me familiarizar com a maneira de Tryon para preparar alguns pratos, como a batata ou o arroz cozidos, fazendo pudim rápido, e alguns outros, e, em seguida, propus ao meu irmão que, se ele me desse, semanalmente, metade do dinheiro que gastava com minha alimentação, eu mesmo me alimentaria. Ele imediatamente concordou com isso, e eu descobri que poderia economizar a metade do que ele me pagava. Esse foi um fundo adicional para a compra de livros.”
(“Autobiografia”, Benjamin Franklin, cap.I)
O livro que caiu nas mãos do jovem Benjamin Franklin era “O Caminho da Saúde”, escrito por Thomas Tryon (1634-1703), um filósofo autodidata e aluno do místico protestante Jakob Boehme. Publicada em 1691, essa obra foi amplamente lida pelos pensadores da época. Mas a grande questão é: teria Ben persistido em seu vegetarianismo? Muitos dizem que sim e, como evidência, invocam duas citações atribuídas a ele. A primeira:
“Quando um ser humano mata um animal para comer, ele está negligenciando a sua própria fome de justiça. O homem reza por misericórdia, mas não está disposto a estendê-la aos outros.”
O fundador da organização “Farm Animal Rights Movement”, Alex Hershaft, utilizou essa citação em carta a George W. Bush, pedindo ao ex-presidente que “aprendesse com um dos nossos pais fundadores”. A segunda citação é:
“Comer carne é assassinato sem provocação.”
Serão tais citações legítimas? Quanto à primeira, a resposta é “provavelmente não”. Pesquisando-se no acervo online de documentos “The Papers of Benjamin Franklin”, é impossível encontrar qualquer indício desse aforismo. A respeito dessa frase, comentou Jerry Weinberger, professor de Ciências Políticas na Michigan State University e autor do livro “Benjamin Franklin Unmasked”: “Pelo menos até onde chega meu conhecimento, [a citação] não é de Franklin (muitas coisas que ele não disse são atribuídas a ele).” Quanto à segunda: sim, ela possui um fundo de verdade, foi retirada da autobiografia de Franklin, embora tenha sido descontextualizada e deturpada. Se alguém se aventurar a buscar a citação original, a surpresa será grande:
“Creio não ter mencionado que, na minha primeira viagem para além de Boston, estando atracados em Block Island, nosso pessoal começou a pescar bacalhau, e apanhou um grande número. Até então, eu tinha me aferrado à minha resolução de não comer alimentos de origem animal e, nessa ocasião, considerei, em acordo com o meu mestre Tryon, a tomada de todos os peixes como uma espécie de assassinato sem provocação, uma vez que nenhum deles tinha nos feito qualquer mal que pudesse justificar a matança, e nem poderia fazê-lo. Tudo isso me parecia muito razoável. Mas eu tinha sido, anteriormente, um grande apreciador de peixe, e, quando este saiu quente da frigideira, cheirava admiravelmente bem. Eu oscilei algum tempo entre princípio e inclinação, até que me lembrei de que, quando os peixes foram abertos, vi peixes menores sendo retirados de seus estômagos, então pensei: “Se vocês comem uns aos outros, não vejo porque nós não poderíamos comer vocês.” Então eu jantei o bacalhau com gosto, e continuei a comer com as outras pessoas, retornando somente aqui e ali, ocasionalmente, para uma dieta vegetal. Como é conveniente ser uma criatura racional, uma vez que isso nos permite encontrar ou inventar uma razão para tudo que se deseja fazer.”
(“Autobiografia”, Benjamin Franklin, cap.IV)
Pois sim: a citação em questão, ironicamente, aparece, na autobiografia de Franklin, no exato momento em que ele joga para escanteio o vegetarianismo. Dali em diante, foi como ele mesmo disse: só não comeu carne em períodos esporádicos, enquanto a regra geral era incluir pedaços de animais no cardápio, sem “neuras”. E os estudiosos da vida e obra de Franklin sabem disso – como, por exemplo, J.A. Leo Lemay, professor de Literatura Inglesa na Universidade de Delaware, que é considerado o decano entre os catedrátricos de Franklin. Em artigo datado de 16 de junho de 2005 para o boletim UDaily, informativo eletrônico da Universidade de Delaware, Lemay, aproveitando os preparativos para as comemorações dos 300 anos de nascimento de Benjamin Franklin, esclarece alguns fatos e mitos sobre o ícone estadunidense. Entre os mitos, estão: que Ben era canhoto, que ele inventou o odômetro, que ele criou o horário de verão, que ele fundou a primeira companhia de seguros e que ele era vegetariano. Lemay é categórico:
“A evidência sugere que o jovem Franklin era avesso à matança de animais para alimentação. Ele também percebeu que legumes custavam menos do que a carne, de modo que ele podia gastar mais dos seus ganhos em livros. No entanto, sua dieta não foi completamente livre de carne e peixe.”
Referências
  • Famous Vegetarians and Their Favorite Recipes: Lives and Lore from Buddha to the Beatles. Rynn Berry. Pythagorean Books, 1993.
  • The Longest Struggle: Animal Advocacy from Pythagoras to Peta. Norm Phelps. Lantern Books, 2007.
  • Site da União Vegetariana Internacional: http://www.ivu.org/
  • The Soul’s Journey into God; The Tree of Life; The Life of St. Francis. Bonaventure. Mahwah, New Jersey: Paulist Press, 1978.
  • The First Life of St Francis of Assisi. Thomas of Celano. Triangle, illustrated edition, 2000.
  • The Philosophy of Civilization. Albert Schweitzer. University Press of Florida, 1981.
  • Food for the Gods: Vegetarianism & the World’s Religions. Rynn Berry. Pythagorean Books, 1998.
  • Site da AISL (Association Internationale de l’oeuvre du docteur Albert Schweitzer de Lambaréné): http://www.schweitzer.org/
  • Here’s Harmlessness: An Anthology of Ahimsa. H. Jay Dinshah. American Vegan Society, 5th edition, 1993.
  • The Vegetable Passion: A History of the Vegetarian State of Mind. Janet Barkas. Scribner, 1975.
  • The Einstein Almanac. Alice Calaprice. The Johns Hopkins University Press, 1st edition, 2004.
  • The New Quotable Einstein. Alice Calaprice. Princeton University Press, Commemorative Edition, 2005.
  • Einstein Archives Online. Disponível em: http://www.alberteinstein.info/
  • Omnivorous or Vegetarian? What famous naturalists think about it. Luis Vallejo Rodríguez: http://www.euroveg.eu/evu/english/news/news962/omnivore.html
  • Charles Darwin: A Biography, Vol.1 – Voyaging. Janet Browne. Princeton University Press, 1996.
  • The Life and Letters of Charles Darwin. Disponível em: http://darwin-online.org.uk/
  • The Origin of Species. Disponível em: http://darwin-online.org.uk/
  • The Descent of Man. Disponível em: http://darwin-online.org.uk/
  • Innovate Like Edison: The Success System of America’s Greatest Inventor. Michael J. Gelb & Sarah Miller Caldicott. Dutton Adult, 2007.
  • Empires of Light: Edison, Tesla, Westinghouse, and the Race to Electrify the World. Jill Jonnes. Random House, 3rd edition, 2003.
  • Death, Money, and the History of the Electric Chair. Mary Bells. Disponível em: http://inventors.about.com/od/hstartinventions/a/Electric_Chair.htm
  • AC/DC: The Savage Tale of the First Standards War. Tom McNichol. Jossey-Bass, 2006.
  • Edison: A Life of Invention. Paul Israel. Wiley, 1st edition, 1998.
  • Revista Reader’s Digest, Março de 1930, pg.1042-1044, “Living With a Genius”.
  • Autobiografia de Benjamin Franklin: http://www.earlyamerica.com/lives/franklin/
  • The Papers of Benjamin Franklin: http://franklinpapers.org/franklin/
  • Benjamin Franklin Unmasked: On the Unity of His Moral, Religious, and Political Thought. Jerry Weinberger. University Press of Kansas, 2005.
  • Ben Franklin — facts and fallacies. Artigo publicado no informative UDaily, em 16 de junho de 2005. Autoria: Kathy Canavan, sobre depoimento de J.A. Leo Lemay. http://www.udel.edu/PR/UDaily/2005/mar/franklin061605.html
Fonte: Vista-se

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