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agosto 03, 2010

"Reflexões"

“Há tão diversas espécies de homens como há diversas espécies de animais, e os homens são, em relação aos outros homens, o que as diferentes espécies de animais são entre si e em relação umas às outras. Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes, uns como tigres, sempre ferozes e sempre cruéis, outros como leões, mantendo alguma aparência de generosidade, outros como ursos grosseiros e ávidos, outros como lobos arrebatadores e impiedosos, outros ainda como raposas, que vivem de habilidades e cujo ofício é enganar! Quantos homens não se parecem com os cães! Destroem a sua espécie; caçam para o prazer de quem os alimenta; uns andam sempre atrás do dono; outros guardam-lhes a casa; há cães mais ou menos inúteis, que ladram frequentemente e por vezes mordem, e há até cães de jardineiro. Há pavões que só têm beleza, que desagradam pelo seu canto e que destroem os lugares que habitam. Há pássaros que não se recomendam senão pela sua plumagem ou pelas suas cores. Quantos papagaios falam sem cessar, sem nunca compreender o que dizem; quantas aves predadoras vivem da rapina. Há gatos, sempre à espreita, maliciosos e infiéis, que deslizam com patas de veludo; há víboras de língua venenosa, sendo o resto útil; há aranhas, moscas, percevejos e pulgas, que são sempre incómodos e insuportáveis. Quantos cavalos, que utilizamos para tantos fins, não abandonamos quando já não servem mais? quantos bois não trabalham uma vida inteira para enriquecer aqueles que lhes impõem o jugo: as cigarras, que passam a vida a cantar, as lebres, que têm medo de tudo, os coelhos, que se espantam e acalmam num instante; os porcos, que vivem na crápula e na imundície; os patos mansos, que atraiçoam os seus congéneres, atraindo-os a armadilhas, os corvos e os abutres, que vivem apenas de podridão e de cadáveres! Quantas abelhas, que respeitam o seu chefe e vivem com tanta ordem e trabalho! Quantos zangãos, vagabundos e mandriões, não procuram estabelecer-se à custa das abelhas! Todas estas qualidades se encontram no homem e ele procede, em relação aos outros homens, como os animais de que acabamos de falar procedem entre si”.

La Rochefoucauld (“Reflexões”)

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