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dezembro 01, 2009

Técnicas de apropriação discursiva

As empresas que experimentam em animais, os núcleos comerciais que conservam não-humanos para serem observados por um público pagante, os setores que os criam para vendê-los cozidos, e até esse horror – hoje multiplicado pela imagem televisiva – que é o negócio taurino começaram, há algum tempo, a usar o disfarce da preocupação com os animais ou com as pessoas, colando-se ao escudo do bem-estar animal, do cuidado do animal e da beneficência. A técnica tenta pulverizar – como o Alzheimer destruidor da memória – o conhecimento que permite, ao cidadão médio, distinguir entre a amargura do ser prisioneiro e a iluminação do ser livre, perceber a injustiça do inocente assassinado, entender a ética de não fazermos aos outros o que não quisermos que eles façam contra nós. Técnica desesperada, por certo, voltada a deter uma zoofilia crescente, ainda que às vezes confusa, a qual inunda de um sentimento de generosidade aquele que a cultiva. E este sentimento, como se sabe, faz muito bem.




A técnica mencionada foi denominada "coopção". Significa a adoção das premissas dos grupos de pressão inconformistas por parte dos que poderiam ser prejudicados pelo êxito desses grupos. No mesmo estilo do greenwash que diz respeito aos temas relacionados à contaminação ambiental, planejam-se campanhas publicitárias para, especificamente, suscitar a preocupação com os animais em quem os usa e os comercializa. Colocam-se jalecos brancos em coelhos, ratos, cachorros e macacos nas fotografias, e eles são agrupados em torno da cama de um doente, porque “os animais de experimentação velam por sua saúde: agradeçamos seu esforço”. Organizam-se torturas para ajudar aqueles que sofrem danos com o ganho econômico dos outros – e quem se atreverá a depreciar tanta bondade? Assinala-se que o progresso da ciência e da tecnologia permite a criação intensiva, obtendo-se mais quantidade de carne graças à administração preventiva de antibióticos de última geração – os mesmos que já se tornaram inúteis para combater as infecções que combatiam antes – e os animais vacinados, feridos e mortos desvanecem em meio à preocupação com a fome mundial que a criação de animais para comida contribui para causar.



Doações, de preferência a crianças carentes. Concursos que dão, como prêmios, visitas grátis aos cárceres zoológicos e aos espetáculos circenses. Grandes cartazes e muitos folhetos para que contemplemos animais pastando e desfrutando da liberdade, enquanto os engolimos picados. Preocupação, diante da mídia, com a correção administrativa dos papéis que autorizam a dominação, a tortura e o genocídio. Declarações a favor do crescimento econômico do comércio cinegético, que assegura não haver perigo de extinção da espécie à qual pertencem os animais a serem massacrados. Tudo para que o legal continue parecendo ético, porque já se começa a notar que, em matéria de ecologia e sobretudo de animais, justamente o que não é ético é o legal.



Estratégias e políticas ativas requerem, em todos os níveis, uma dinâmica de remodelação dos processos de apropriação da vida animal. Denunciar as dissonâncias discursivas dos círculos oficiais e dos pseudoprotetores, que perpetuam tanto a produção e o consumo da “coisa” doméstica quanto a aniquilação da “coisa selvagem”, gera uma educação coerente da sociedade. Também ajuda a apoiar mudanças no consumo, imprescindíveis para o processo de substituição de uma economia sustentada pelo dano ao animal e ao ambiente por outra, de respeito aos mesmos. Transformar a relação com os outros animais implica, necessariamente, em desfazer a linha de poder e em conceber um novo modelo de integração com a natureza no seu conjunto. Alterados os sistemas socioecológicos, a civilização atual seccionou o conjunto; ao unir as partes, não encontra a vida. Recuperar a conexão com os outros seres sencientes da Terra é a tarefa do verdadeiro defensor dos animais.



Enjaulados, torturados, sangrados, caçados, destruídos, os animais não correm o risco de ser enganados por um discurso falacioso. Correm o risco, isso sim, de serem fraudados por aqueles que, em nome da proteção animal, visam apenas calar e/ou distrair a opinião pública, para que tudo continue como está... ad infinitum.

© Ana María Aboglio
Advogada, especializada em Direitos dos Animais.



© Tradução: Regina Rheda. Edição Ánima

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