1. As plantinhas também sentem
Por mais que ouça essa falácia absurda, não consigo deixar de ficar abismado sempre que a usam de novo. Será mesmo que alguém não consegue distinguir moralmente um porco esfaqueado de um tomate “esfaqueado”? Uma vaca degolada de uma banana “degolada”? Umagalinha fervida viva de uma batata fervida “viva”? Independentemente de se tratar de pura desonestidade intelectual, ou uma assombrosa ignorância pré-Darwiniana, vamos aos fatos.
Plantas, embora possam reagir a determinados estímulos ambientais, não possuem órgãos nervosos ou sensoriais. Em suma: ao contrário dos animais confinados, torturados e mortos pela indústria pecuária, plantas não têm um cérebro, ou nada que se assemelhe a um. Nem sequer de um ponto de vista evolutivo faria qualquer sentido que as plantas sofressem, uma vez que elas não podem se mover, e, portanto, não poderiam se livrar de um eventual estímulo doloroso [1].
A ideia de que as plantas possuem pensamentos e sentimentos nasceu com a “pesquisa” de Cleve Backster, publicada no “Jornal Internacional de Parapsicologia” em 1968. Acontece que Backster, além de ser completamente ignorante, tanto a respeito de ciências vegetais quanto animais, também está ligado a todo tipo de ideias ocultas e pseudocientíficas. Seu trabalho já foi citado na defesa da visão remota, rabdomancia, diversas formas de teorias “energéticas”, e do programa Silva de controle da mente, tendo inclusive ele próprio participado de uma das “Convenções Silva”, no Texas [1]. Finalmente, saiba que as ideias pseudocientíficas de Backster foram amplamente refutadas pela comunidade científica [KMETZ, 1977; LEWIS e GASTEIGER, 1975; Skeptical Inquirer, 1978].
Mas, se depois disso tudo, você ainda insistir nessa baboseira, eis a pá de cal sobre o assunto: Em um sistema estupidamente ineficiente, a pecuária gasta 7kg de plantas para a produção de apenas 1kg de carne [2]. Então, se você realmente está preocupado com o sofrimento das plantinhas, seja coerente com o seu próprio argumento, e pare de comer animais.
2. Mas meus antepassados comiam carne
Sério? Seus antepassados também praticavam escravidão, estupros e sacrifícios humanos, e isso não significa que nós tenhamos que trazer essas “tradições” de volta.
É até provável que a carne tenha tido um papel importante na evolução da nossa espécie [Novo estudo coloca plantas como vitais na evolução do cérebro humano], mas seja como for, você não é mais um caçador-coletor correndo pelado na savana africana atrás de qualquer coisa que possa matar sua fome. O nosso contexto atual é o de um planeta saturado pelo crescimento exponencial da população humana, sendo a pecuária a indústria mais nociva da face da Terra.
Conforme deixa claro o Instituto World Watch, “o apetite humano por carne é uma força motriz por trás de praticamente todas as categorias de danos ambientais que atualmente ameaçam o futuro da humanidade: desmatamento, erosão do solo, escassez de água, poluição da água e do ar, aquecimento global, perda de biodiversidade, injustiça social, desestabilização de comunidades, e propagação de doenças.” [3]
A conclusão é uma só: se você se preocupa com a longevidade dos seres humanos como espécie, a melhor coisa que pode fazer é parar de patrocinar essa indústria.
3. Mas e as proteínas!?
Inúmeras organizações de saúde – nacionais e internacionais – atestam a dieta vegetariana estrita bem planejada como perfeitamente saudável para todas as idades, incluindo gestantes e crianças, bem como para atletas [4, 5, 6, 7].
Entre elas está a maior associação de nutricionistas dos EUA, a Associação Dietética Americana (ADA). Ao abordar a questão da proteína nas dietas vegetarianas em seu último documento oficial publicado este ano, eles foram enfáticos:
“A preocupação sobre os vegetarianos – especialmente os veganos e os atletas veganos – não consumirem proteína em quantidade e qualidade suficientes não tem fundamento. As dietas vegetarianas que incluem uma variedade de produtos vegetais fornecem a mesma qualidade proteica que as dietas que incluem carne.”
E pra quem gosta menos de teoria e mais da prática, não seja por isso. Existem numerosos exemplos de atletas e fisiculturistas veganos, que são muito bem sucedidos em suas respectivas modalidades, incluindo um recordista mundial de força [Atleta vegano bate o próprio recorde mundial de força… DE NOVO!], e um recordista mundial de ultramaratona [Novo recorde de ultramaratonista comprova alto rendimento de veganos no esporte].
4. Os leões comem carne
Verdade. E também não hesitarão em matar os filhotes alheios só para copular com a mãe deles. Você também é defensor dessa prática? Aliás, você come cocô? Afinal, coelhos fazem isso. É apologista do estupro? Focas fazem isso…
Dito isso, é fácil perceber que nós não usamos os animais como modelo de comportamento moral, e de fato, quem faz isso desonestamente sob demanda, está incorrendo em uma falácia grosseira: a falácia naturalista.
E de qualquer forma, há um enorme abismo moral entre matar por sobrevivência (voltando aos leões), e matar pelo simples prazer do paladar, ainda mais quando botamos na balança as consequências desastrosas da pecuária para o meio ambiente.
Em resumo, vê se aprende pra não sair por aí passando vergonha: moral ≠ natural.
5. Veganos hipócritas não podem salvar todos os animais
Infelizmente nascemos em uma sociedade baseada em exploração animal, e eu não posso simplesmente me suicidar ou me mudar pra Marte. Mas isso não significa que nós não possamos ou não devamos fazer nada a respeito da crueldade animal institucionalizada.
De fato, a própria definição original do veganismo, cunhada por ninguém menos do que o seu fundador, Donald Watson, já desfaz essa ideia equivocada (grifo meu):
“[…] é um estilo de vida que procura excluir, na medida do possível e do praticável, todas as formas de exploração e crueldade com os animais, para alimentação, vestuário e qualquer outra finalidade.”
Sendo imparciais, essa falácia soa como:
“Se não posso tudo, escolho nada”, ou;“Pra quê errar apenas 50%, se eu posso errar 100%”.
O máximo que alguém que lance uso dessa argumentação falaciosa conseguirá, é assinar o seu próprio atestado de mediocridade. Uma vez que os animais têm a mesma capacidade de sofrimento que nós temos (não se esqueça: também somos animais), e que já compreendemos que é errado impor sofrimento desnecessário, torna-se um imperativo moral fazermos tudo o que for possível para minimizar o sofrimento deles, e nada pode ser mais efetivo nesse sentido, do que a adoção do veganismo como estilo de vida, ainda que atualmente ninguém possa ser 100% vegano.
6. Não cheguei no topo da cadeia pra comer alface
De tão maçante e impertinente, essa falácia já mereceu um artigo à parte no nosso Blog. Mas caso você não tenha lido, aqui vai um resumo:
Não. Você não está no topo da cadeia alimentar. Pra dizer a verdade, não chega nem na metade dela. Para chegar a essa conclusão, um grupo de pesquisadores franceses utilizou dados das Nações Unidas sobre alimentação e agropecuária, de 176 países, para calcular, pela primeira vez, o nível trófico humano [8].
Numa escala de 1 a 5, com o 1 representando a pontuação de um produtor primário (plantas), e o 5 representando um predador de topo de cadeia (um animal que se alimente apenas de carne e que tenha poucos ou nenhum predador, como o crocodilo ou o tigre), descobriu-se que os seres humanos alcançam um modesto 2,21, nos equiparando com porcos e anchovas.
Além disso, resta a dificuldade de enquadrar a espécie humana em uma cadeia alimentar, cujo significado invariavelmente evoca equilíbrio e sustentabilidade, já que somos os responsáveis por nada menos do que a sexta extinção em massa de toda história geológica do nosso planeta [9, 10].
“Os humanos são o equivalente ao asteroide que colidiu com a Terra. Estamos causando extinções um pouco mais devagar que o asteroide, mas não muito.”
– Clinton Jenkins, Ecólogo.
7. Tá na Bíblia!
Concordo. O Antigo Testamento deixa claro que o homem está na Terra para incutir “temor e pavor” sobre os animais, que “nas nossas mãos são entregues” [Gêneses 9:2].
Mas apenas caso você tenha perdido algumas partes do “bom livro” na sua escolinha dominical bíblica, lá também está escrito que você pode vender a sua filha como escrava sexual [Êxodo 21:7], que pode bater no seu escravo com pau, desde que ele sobreviva por um dia ou dois [Êxodo 21:20-21], que você deve apedrejar uma noiva que não consiga comprovar a sua virgindade [Deuteronômio 22:13-21], que mulheres que dão à luz são imundas [Levítico, 12:2; Levítico 12:5], e que as mulheres devem calar a boca em uma igreja, não ensinar, e serem submissas aos maridos [1Coríntios, 14:34-35; 1Timóteo 2:11-12], entre muitas outras aberrações, as quais eu poderia passar uma semana inteira escrevendo.
A pergunta é: você também é fiel a todas essas partes, ou somente àquelas que lhe convém? Um conselho grátis: se você pretende ser levado a sério em qualquer discussão do século XXI, guarde o seu manual de vida da Idade do Ferro em casa, ou mantenha-o restrito à sua igreja, seja ela qual for.
Pedro Abreu é colaborador do O Holocausto Animal, ateu militante, e vegano.
Referências
[1] Dicionário do Cético: percepção vegetal. 23 de março de 2002.
[2] ELLIOT, Larry. The era of cheap food may be over. The Guardian, 2 de setembro de 2012.
[3] Is Meat Sustainable? World Watch Magazine, Julho/Agosto 2004, 17:4.
[4] Vista-se | Ministério da Saúde reconhece alimentação vegana como saudável e alerta sobre produtos de origem animal como carnes, laticínios e ovos. 7 de dezembro de 2014.
[5] National Health and Medical Research Council (2013). Australian Dietary Guidelines. Canberra: National Health and Medical Research Council.
[6] AMIT, M. Vegetarian diets in children and adolescents. Paediatrics & child health, v. 15, n. 5, p. 303, 2010.
[7] Parecer CRN-3; Vegetarianismo; Colegiado do CRN 3ª Região; 2011-2014.
[8] BONHOMMEAU, Sylvain et al. Eating up the world’s food web and the human trophic level.Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 110, n. 51, 25 de abril, 2013.
[9] GARCIA, Rafael. Ação humana acelerou ritmo de extinções em mil vezes. São Paulo, Folha de São Paulo, 30 de maio, 2014.
[10] CEBALLOS, Gerardo et al. Accelerated modern human–induced species losses: Entering the sixth mass extinction. Science Advances, v. 1, n. 5, p. e1400253, 2015.
Fonte: Holocausto Animal
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