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julho 22, 2010

Ecotarianismo

Feira Central de Campina Grande, por Kyller Costa Gorgônio. Ecotarianos priorizam a produção local.
Quando eu primeiro soube da existência dos ecotarianos, a primeira fonte que achei, da revista IstoÉ, me parecia um tanto negativa. Não negativa no sentido normal que vemos do veganos, de “um bando de loucos”, mas sim no sentido de uma exoticidade exacerbada, com toques orientais (não que isso seja ruim) e de, até mesmo, religiosidade, obscurantismo e ocultismo. Talvez minha leitura tenha sido um pouco inadequada, condicionada pelo típico tratamento a qual a famigerada grande mídia tem dispensado às coisas que fogem da normatividade social hegemônica de nossa sociedade. Portanto, resolvi fazer uma pesquisa um pouco mais profunda em textos não só brasileiros, mas também em outros idiomas, em busca de uma definição e um perfil mais apropriado do ecotarianismo e dos próprios ecotarianos.
Nas fontes brasileiras que me deparei, a mais polida definição e crítica do ecotarianismo que encontrei foi no portal do Discovery, que possui como indicação de leitura o artigo da IstoÉ:
Ecotarianos – Atitude consciente, mas difícil na prática
O termo, difundido nos últimos anos, refere-se a uma forma de alimentação que leva em conta os impactos causados pelo processo de fabricação dos produtos à natureza. Ser ecotariano é complexo, já que calcular a emissão de carbono de um alimento envolve conhecer sua produção, desde a matéria-prima até sua venda. Alguns só adquirem produtos orgânicos, produzidos localmente – para poupar as emissões do transporte – ou que incentivem o trabalho justo.
No caso de do blogue brasileiro Passando a Régua, que encontrei em minha pesquisa, a definição é um pouco mais abrangente, não tratando-se de apenas uma “forma de alimentação” como no texto do Discovery:
Traduzindo. Isso quer dizer que você passa a adotar o consumo sustentável em todos os seus aspectos. Da comida ao vestuário, dos objetos aos acessórios.
Em ¿Qué es el ecotarianismo?, Valentina Ruderman consegue tratar das diferenças teleológicas entre o ecotarianismo e o vegetarianismo ético com propriedade:
Con el aumento de la conciencia ambiental, durante el último año surgió una nueva manera de comer teniendo en cuenta las consecuencias en el medio ambiente. En este caso no se trata de abandonar los alimentos provenientes de los animales sino de llenar el plato con productos que hayan dejado la menor huella de carbono posible.
[…]
Así, la diferencia con los vegetarianos se encuentra en el por qué. Los Ecotarianos no comen carne simplemente porque cada vaca necesita kilos y kilos de otros animales y plantas para desarrollarse. Es fácil: cuanto más consumo, mayor la huella.
Já uma doutoranda ecotariana residente na Austrália tem um conceito de ecotarianismo que extrapola todas as apontadas, partindo mais para um lado ético do que um simples economicismo ambiental:
For us being ecotarians means that whenever we make a decision about our consumption (be that of food or any other product) we try to consider a whole myriad of ethical issues that relate to the impact of our choice on the earth. These issues include:
  • Whether or not the product has been produced locally or whether it was transported half-way across the world to us.
  • Whether or not the product was created using slave labour (or sweatshop labour) or whether it was ethically or fairly traded.
  • How much packaging is used and whether the packaging is recycled and recyclable.
  • What kind of chemicals were used in the creation of the product or whether it is organic.
  • Whether the product is cruelty-free (in that it contains now animal products and was not tested on animals).
  • Whether or not we actually need the product or whether we are simply consuming for the sake of it.
  • How much energy and water was required to create the product.
  • Whether the product is brought to us by a corporation that is highly unethical in its business practices (such as Nestle, Coke or Monsanto).
  • And, well, you get the picture…
Tradução do autor(*):
Para nós, ser ecotariano significa que em qualquer decisão de consumo (sendo sobre comida ou qualquer outro produto), nós tentamos considerar todo um conjunto de questões ética que estão relacionado aos impacto de nossa escolha na Terra. Essas questões incluem
  • Se o produto foi produzido localmente ou se ele veio do outro lado do mundo.
  • Se na criação do produto foi usado trabalho escravo (ou semi-escravo) ou se foi eticamente ou justamente negociado.
  • Quanta embalagem é usado e se ela é reciclada ou é reciclável.
  • Que tipos de produtos químicos foram usado na criação do produto ou se ele é orgânico.
  • Se o produto é livre de crueldade (incluindo se ele contem produtos derivados de animais ou foi testado neles).
  • Se realmente precisamos do produto ou se simplesmente estamos consumindo por consumir.
  • Quanta energia foi usada e quanta água foi necessária para a criação do produto.
  • Se o produto é de uma empresa extremamente antiética em suas práticas empresarias (tais como Nestlé, Coca-Cola ou Monsanto).
  • E, bem, você entendeu…
O interessante é que, essa definição que Cristy trouxe em seu depoimento se confunde muito com o veganismo ecológico, com o ecoveganismo. Não é a toa, afinal, ela mesma confessa que está ainda comprometida com o veganismo
Já a grande mídia anglofônica, a exemplo da Times Online, fala de ecotarianismo nesses termos:
Ecotarianism is the new buzzword, a kind of greatest hits of all our favourite food movements from the past decade. It’s about sourcing locally, organically, sustainably, in season and leaving the Earth’s resources untouched. […]
Tradução do autor(*):
Ecotarianismo é a nova palavra do momento, é tipo um dos maiores sucessos de todos os movimentos alimentares da última década. Trata-se de alimentar-se localmente, organicamente, sustentavelmente, na estação e deixar os recursos da Terra intactos. [...]
Curiosamente, uma das fontes citadas foi o blogue da Cristy.
Porém, o conceito mais sintético que até onde minha pesquisa me conduziu foi o do site do Guardian, um jornal inglês:
[…] The concept is simple: eat the foods with the lowest environmental burden, those with the lowest global-warming potential (GWP) and the least chance of messing up the planet via their acidification and pollution potential. In practice, of course, divining the environmental burden of a tomato in the supermarket is difficult.
Tradução do autor(*):
[...] O conceito é simples: coma aquilo que cause o menor dano ambiental, aqueles com menor potencial de aquecimento global e aquilo que tiver menor possibilidade de ferrar com o planeta antravés da acidificação e de seu potencial poluidor. Na prática, é claro, adivinhar o custo ambiental de um tomate no supermercado é difícil.
Com base nessa superficial pesquisa, pois as fontes são repetidas e não possuem muitas de fato as quais eu possa ter contato com meus instrumentos, posso traçar o conceito de Ecotariano nos seguintes termos:
Ecotariano é aquele que consome produtos levando em consideração o impacto ambiental o qual eles incidem, procurando minimizá-los ao máximo possível.
Não se resume a uma questão alimentar, apesar de suas considerações serem mais complexas e visíveis no imaginário externo quando tange a alimentação. A questão é o consumo sustentável, a alimentação é apenas um reflexo disso.
Ele não é necessariamente vegetariano, pois em situações em que, por algum motivo, o alimento não-vegetariano for ecologicamente sustentável, fará sentido em consumi-lo.
Então, o ecotarianismo se diferencia do veganismo em seu fim: procura minimizar o impacto ambiental, enquanto o veganismo busca minimizar o impacto positivo individual sobre a vida dos seres sencientes ou sujeitos-de-uma-vida (dependendo da fundamentação filosófica adotada).
O método, então, é o mesmo: através de um consumo consciente, se minimizará os problemas.
De certa forma, o Ecotarianismo está para a Ecologia Profunda como o Veganismo está para os Direitos Animais: um é consequência e reflexo do outro. É uma exigência moral ao levar em consideração os argumentos da Ecologia Profunda ser ecotariano, como é uma exigência moral ser vegano caso se considere válido os Direitos Animais.
(*)Autor: Samory Santos
Estudante de Direito na Universidade Federal da Bahia

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