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junho 29, 2010

Vegetarianismo - Gênero e Espécies

Há algum tempo noto que diversas pessoas vêm questionando o conceito de vegetarianismo, na tentativa de excluir dessa escolha alimentar a grande maioria do grupo, ou seja, aqueles que ainda utilizam ovos ou leite na alimentação.

Ainda, utilizam-se de questões terminológicas e de um termo contido nos dicionários brasileiros, o "vegetarismo", para sustentar essa posição. Discordo e exponho minhas razões:

Vegetarianismo é um termo equívoco mas certamente não é um termo equivocado, em especial para designar suas espécies. Equívoco é um termo que pode ter mais de um sentido. Assim como, por exemplo "direito" (que pode significar uma posição/lado, uma conduta, uma ciência ou um sistema de normas, apenas para ilustrar a questão).


Vegetarianismo portanto tem duas acepções: como gênero, mais abrangente, e como espécie, mais restrito.
Enquanto gênero, devemos aceitar que designa um estilo de alimentação, de um modo geral. As definições da IVU e da VegSoc (duas importantes entidades sobre a questão) acabam com qualquer dúvida:
VegSoc (Britsh Vegetarian Society, a mais antiga organização do tipo em atividade): A vegetarian is someone living on a diet of grains, pulses, nuts, seeds, vegetables and fruits with or without the use of dairy products and eggs (preferably free-range). http://www.vegsoc.org/info/definitions.html
IVU (: For the purpose of membership of IVU, vegetarianism includes veganism and is defined as the practice of not eating meat, poultry or fish or their by-products, with or without the use of dairy products or eggs. http://www.ivu.org/faq/definitions.html (mesma definição utilizada pela SVB)

Então, fica claro que para as entidades mais antigas e mais ativas, a palavra vegetarianismo engloba uma série de comportamentos, adimitindo o uso de ovos e leite. Assim, passamos ao próximo ponto: porque o nosso dicionário coloca vegetarianismo como alguém que come exclusivamente vegetais?

A primeira resposta (e a mais provável) é a de que ele se referiu apenas a vegetarianismo enquanto espécie.

Retomando, entendo - de acordo com as definições invocadas - que vegetarianisno é gênero que designa opção alimentar, do qual temos as seguintes espécies:
ovolactovegetariano
lactovegetariano
ovovegetariano
vegetariano (ou "vegetariano puro" ou "vegetariano estrito")

Assim, o "vegetariano" a que se refere o dicionário é apenas a espécie, que não come carne e não faz uso nem de leite nem de ovos.

Tanto que notamos que existe no dicionário também o termo ovolactovegetariano, inclusive indicado como referência depois da definição de vegetariano.

Outra resposta possível é que dicionários são apenas breve referências a termos diversos, não sendo dotados de definições precisas sobre todos os termos. Tanto que as palavras "lactovegetariano", "ovovegetariano" e "vegano/veganismo" sequer são mencionadas.

Quanto ao termo vegetarista, precisamos de ume breve busca em textos escritos em francês para perceber que vegétarisme e vegetarianisme são tratados como sinônimos ou no mínimo relacionados. Se o vegetarismo algum dia foi um movimento autônomo, acabou sendo absorvido pelo vegetarianismo. Ou talvez possa ser encarado como um estágio intermediário, o que acarretaria gênero (vegetariano)-> espécie (vegetarista)->sub-espécies (ovolactovegetariano, lactovegetariano, ovovegetariano).

Ora, o que nos resta se excluirmos esses grupos? O vegetarianismo estrito, ou o veganismo.

Ocorre que a fundação da Vegan Society, em Novembro de 1944, ocorreu após uma longa gestação iniciada com debates em 1909 justamente sobre a ética do consumo de derivados de leite dentro da British Vegetarian Society, e o termo "vegan" - derivado de VEGetariAN - foi criado por Elsie Shrigley e Donald Watson. Ocorre que os veganos eram conhecidos de início como "non-dairy vegetarians". Assim, é evidente que o consumo de produtos animais que não as carnes pode fazer parte da dieta vegetariana.

A diferença essencial do veganismo para o vegetarianismo estrito é a motivação, que será sempre ética. Não existe um vegano por razões não éticas (por mais que vejamos pessoas se denominando como tal). Mas pode-se argumentar que um vegano possui toda uma orientação de consumo, voltado a itens não alimentares; o que é verdade hoje em dia, mas não exclui duas realidades:
a) Existe um grande número de vegetarianos, que talvez consumam ovos e leite, que também faz suas compras pautado na sua decisão alimentar. Não são veganos, são vegetarianos, mesmo com motivação ética;
b) Existe mais de um estágio de veganismo. Não consumir ovos e leite é o primeiro, os demais dependem de adaptação.

Assim, o grande diferencial entre veganos e vegetarianos em geral é:
a) Motivação ética, cumulada com
b) Não consumir alimentos de origem animal (e, em diversos estágios que não são denominados, o "origem animal" pode ficar mais abrangente, assim como mudar-se alimentos para produtos)

O que quis mostrar com isso é que ovos e leite ainda são a grande diferenciação entre veganismo e vegetarianismo.

Quanto à afirmação de alguns de que vegetarianos que comem ovos e leite não são nada além de "onívoros que se abstêm de carne", essa afirmação deve ser revista. Até porque, os contra pontos de onivorismo são biológicos e não ideológicos, que são herbivorismo e carnivorismo.

Nesse sentido, concordo com o termo usado pela Marly Winkler da SVB ao se referir a quem come carne: creófilos, ou seja, pessoas que são afins à idéia de se alimentar com carne. Ninguém deixa de ser, biológicamente, onívoro ao escolher se alimentar exclusivamente de vegetais. Nem os veganos. Não somos herbívoros, não somos carnívoros, somos sempre onívoros com alguma opção alimentar.

E o contraponto mais adequado de vegetarianismo seria a creofilia, jamais o onivorismo. Portanto, vegetarianos em geral são onívoros que não consomem carne, podendo ou não fazer uso de ovos, leite e mel.

Por fim, não podemos esquecer que o termo "vegetariano" não vem de "vegetais" mas sim de vegetus (que significa vigoroso, saudável). Portanto, a ingestão de outros alimentos que não vegetais, desde que não sejam carne (porque o "vigoroso" não se alimenta diretamente de morte visível de um animal), não desqualifica a opção.

Aceitar essa nova definição de "vegetarianismo" é um desserviço ao vegetarianismo. Essa é uma opção alimentar que trabalha em cima da hipótese de semelhança. Da nossa com os animais, da nossa dor com a deles.

Então, porque dar força a teorias que querem ressaltar as diferenças?

Não bastasse, não podemos deixar de considerar os aspectos históricos dessa escolha.

Ninguém nega que diversos grupos religiosos (muitos com raízes milenares) são grandes difusores do vegetarianismo como o Bramanismo, Budismo, Jainismo, Zoroatrismo, Adventistas do Sétimo Dia, Hare Krishnas, entre outros. E o grande problema sempre foi o consumo de um corpo (tanto que o não consumo de ovos para muitos desses grupos normalmente é calcado na idéia de que poderia gerar uma vida).

Quiçá o berço do vegetarianismo seja o oriente. Mesmo grandes pensadores ocidentais como Pitágoras (que, aliás, era lactovegetariano) podem ter bebido dessa fonte, o que se nota ao analisar os textos de orientação de conduta a seus discípulos. Rousseau, ao escrever Emílio - Da Educação, recomenda claramente a dieta vegetariana, ovolactovegetariana.
Os escritos de Plutarco, Sêneca, Sócrates e Diógenes, além de escritores modernos como Alexander Pope, Volteire e Lamartine e um sem número de outros intelectuais sempre priorizaram o horror da idéia de se alimentar de outro corpo, de sangue. Portanto, a carne em si sempre foi o maior problema do vegetarianismo.

O que faremos se adotarmos essa nova classificação? Desconsideraremos textos e citações desses "onívoros que não comem carne"?

Aliás - e mudando o foco do assunto - embora eu entenda a necessidade de se estimular uma dieta vegana, essa tática exclusiva pode não ser a melhor. Hoje em dia muito se fala de veganismo. Entretanto, nota-se que a adesão ao veganismo parte normalmente de pessoas que já são vegetarianas.
Os novos membros quase sempre se interessa pela idéia inicial de não comer um outro corpo. Aos poucos, deixar leite, ovos e mel pode ser uma opção ou uma conseqüência inevitável da premissa adotada e que pode ser estimulada. Mas isso não tem nada a ver com o conceito objetivo.

Nota-se também uma corrente que mantém o consumo desses produtos, mas os busca em fontes mais éticas (granjas de ovos "ranch free" por exemplo, ou consomem apenas derivados dos animais dos quais cuida ou convive).

Portanto, quem se abstém de carnes em geral e come leite ou ovos também é vegetariano (gênero).

Veg Vida - por Renata Octaviani M.

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