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maio 31, 2010

A carne e a evolução

Algumas pessoas questionam os vegetarianos, partindo da teoria de que o consumo de carne foi essencial à evolução da espécie.
Como eu não tenho formação científica para discutir a teoria em si (e nem teria razão para isso), para essas horas eu resolvi deixar a argumentação tradicional de lado e adotar uma fábula, mostrando como esse tipo de estudo não influencia a validade do vegetarianismo:



Vamos imaginar o seguinte - um homem das cavernas que vamos chamar carinhosamente de Ugh. Ugh é praticamente um macaco, não tem a menor idéia do que seja agricultura e come o que consegue coletar nas árvores (isso quando não é inverno). Ugh então é um pobre homem-primata praticamente desnutrido.


Em um dia que não tinha absolutamente nada pra comer Ugh resolve imitar os animais dos quais normalmente foge e caça um animal pra comer. Ah, detalhe, antes disso ele desceu das árvores, teve que desenvolver alguma ferramenta, então a mudança de ambiente tb força uma evoluçãozinha... Temos agora a seguinte situação: Ugh continua comendo seus escassos vegetais como um bom menino, mas complementa com uma carne. De repente ele aumenta a ingestão de proteínas e gordura, algo meio escasso nas fontes vegetais da época. E claro que o organismo dele vai responder a esses estímulo.


O problema é que a carne, muito embora seja digerida pelo Ugh, tem uns efeitos bem desagradáveis e metade da tribo dele acaba morrendo pois a digestão é bastante estranha. Enquanto estavam, literalmente, "ughando", viram almoço de algum tigre mal intencionado. Os que resistem são os que aguentam melhor a digestão do bagulho - muito embora nosso intestino permaneça até hoje longo (mais próximo de um herbívoro que de um carvívoro). Quando descobrem o fogo, entretanto, a mastigação e digestão da carne acabam ficando facilitadas, aumentando o consumo. Mas os vegetais nunca foram deixados de lado - e o cozimento de tubérculos, aumentando a energia disponível, também é um marco evolucionário.


Aliás, carne é um alimento tão estranho que basta pensar no que o Dr. Atkins descobriu: se vc passar um mês comendo apenas carne, vai emagrecer (pois seu corpo entra em estado cetônico, o que não é saudável). Aliás, terá zilhões de complicações, mas é só para mostrar que não existe nenhum humano realmente carnívoro (pão, feijão e arroz são de origem vegetal, caso alguém não lembre).


Acontece que um dia mais belo ainda o Ugh (um descendende após milhões de anos) descobre que não precisa ficar indo de caverna em caverna pois se ele plantar algumas coisas elas nascem. Bem, a alimentação dele fica bem mais variada e mais fácil.


E aí, ele não só começa a parar de se preocupar com comida como tem tempo pra desenvolver outras coisas e tem até tempo pra ficar pensando (óóóóó - uau, pensar desenvolve o cérebro). Se temos ciências, filosofia, artes, isso se deve principalmente à agricultura que possibilitou ao homem algum tempo livre, não precisando mais se deslocar noite e dia em busca de alimentação.


Passamos vários milênios. Ugh (deve ser Ugh MCCLXXIX) hoje em dia é um advogado meio estressado e, porque a avó disse que ficaria doente sem carne, come até hoje. Só que ele tá meio obeso, hipertenso, com o colesterol alto, mais velho do que sua idade e um sério candidato a câncer de intestino... Mas como é que ele vai sobreviver sem o churrasquinho do final de semana?


Mas hoje em dia o Ugh não é nem caçador nem agricultor (tem gente que faz isso pra ele. Aliás, ele nem sabe de onde vêm metade das coisas que ele come, sem contar que ele não faz esforço físico nenhum pra isso). Ele tem disponibilidade de todo tipo de alimento que possa imaginar.


A grande questão é que NÃO EXISTEM ALIMENTOS ESSENCIAIS, EXISTEM NUTRIENTES ESSENCIAIS. Ou seja, dá pra viver muitíssimo bem e sem as desvantagens da carne. Será que esse não é o próximo passo da evolução? (Sim, é provocação.)


Então, vamos aos nutrientes que todo mundo invoca para não parar de comer carne:
a) Proteína: o organismo não absorve proteínas, absorve aminoácidos. Muito embora a carne contenha todos os chamados "aminoáciodos essenciais" (claro, é um ser vivo bem parecido conosco), ela não é a única fonte. As combinações (ao longo do dia, não é necessário ser na mesma refeiçã) de leguminosas com cereais preferencialmente integrais, cereais com oleaginosas (ou laticínios) ou sementes com leguminosas suprem as necessidade desses aminoácidos. Vegetarianos praticam atividade física e conseguem ganho de massa muscular; há inclusive vários atletas de alta performance vegetarianos.
b) Ferro: vegetais possuem o chamado "ferro não heme" (carne tem 60% do ferro nessa forma, também, mas não vamos aumentar a discussão). Pra absorver esse tipo de ferro, a única coisa que a pessoa tem que se preocupar é com manter uma ingestão adequada de vitamina C diária (ou seja, tem que fazer o que qualquer onívoro minimamente consciente com sua dieta faria). O fato é que índices de anemia em populações creófilas e vegetarianas são equivalentes, evidência que afasta a necessidade da carne.
c) Zinco: existe abundantemente em ovos, leite, feijões, sementes e castanhas.
d) Vitamina B12: tem em ovos e leite também. 1 gema ou 2 fatias de queijo por dia suprem a necessidade diária. Só que vitamina B12 é produzida por bactérias que moram no intestino de alguns animais (nós produzimos mas não absorvemos, a príncípio) e casca de frutas contaminadas (que, como lavamos, não dá pra contar como fonte). Então tem muito vegetariano que não come leite ou ovo e está bem pois faz suplementação (que pode ser desde tomar pílulas uma vez por semana, injeção uma vez por ano a comer algum alimento enriquecido). Fazer suplementação não é nada demais (a imensa maioria dos brasileiros, que vivem longe do litoral, depende da suplementação de iodo. Mas, como ele é adicionado ao sal, ninguém nem lembra disso).


Ugh não vive mais em "estado de natureza" e não depende de carne para mais nada. Mora em cidades, usa computadores, habita construções de alvenaria e troca dinheiro por comida. Invocar esse tipo de argumento para tentar invalidar o vegetarianismo denota, no mínimo, um grande desconhecimento da questão nutricional e da nossa realidade.
por  Renata Octaviani

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