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dezembro 04, 2009

Os palhaços verdes ou do especismo como pústula do sistema

Então vemos ao nosso redor pessoas autointituladas como engajadas, como conscientes, como preocupadas com a saúde do planeta – uma coisa bem separada, tal como se os animais morassem na Lua – e querendo abraçar a imagem de uma postura ecologicamente correta, seja lá o que isso signifique. A onda da ecologia no Brasil, nos anos 80, ainda tem ecos naqueles que, incapazes de encarar o grande desafio que é ler um livro, arrotam sua posição de ‘preocupados’. A Amazônia é um fetiche perene, mesmo entre aqueles que palitam os dentes à procura de fiapos de um ex-corpo bovino, assado com amor e temperado com carinho. Aí se coloca um banner do Greenpeace no próprio blog, compra-se uma camiseta com dizeres ‘conscientes’ na feira do final de semana, um pão integral aqui, um leite magro acolá, e está completo o kit de cidadão vestido de palhaço verde.




Incapacidade de ver o caminho que o alimento faz até seu prato bem lavado, ou de enxergar aquilo que está à frente, misturado com uma racionalização do tipo “ah, eu fumo, mas meu tio fumou até os 80 anos e morreu de velho”, ou “ah, o futuro não existe, então eu vou aproveitar agora” – até o dia em que o cara recebe uma sentença de morte no ambiente impessoal de um consultório médico, e aí atribui a um castigo divino, ou outro embuste. Então está o alimento de origem animal como uma necessidade que, por procuração, terceiros providenciaram para si, e fim de papo. E o comensal se agarra àquilo com o temor de uma criança, buscando garantia e segurança nutricional, já que ouviu da mãe e da professora sobre a importância dos alimentos. E nada mais pôde aprender, após os sete anos de idade.



E quando é necessário refletir sobre os desgovernos da sociedade, sobre as feridas que sangram e fedem, obviamente que, tal como a Amazônia, repete-se aquilo que o sistema já providenciou como objeto louvável de preocupação e prioridade – crianças de rua, velhinhos em asilos. Curiosamente esses problemas ainda existem, apesar de todos se mostrarem indignados, atarefados e preocupados – novamente esta palavra – com a situação. Mas quem fala ‘animais’ é que é o insensível sociopata que não sente nada, nada faz e sequer se preocupa com Amazônia, monocultura de eucaliptos, velhinhos nos asilos, crianças passando fome, a criminalidade no Rio de Janeiro, a seca no Nordeste, as enchentes em Santa Catarina, agrotóxicos ou aquecimento global. Vejam só.



Lembrar que ainda falta incluir os animais no círculo da significação moral, para a maioria, é mostrar-se preocupado com unicórnios, dinossauros, ETs e demais seres distantes e inacessíveis. Coisa de quem ‘não tem mesmo o que fazer’, como ouço seguidamente.



Mas ninguém enche a boca pra dizer que está pouco se lixando pra Amazônia, e ponto-final. Seria feio. Pegaria mal. Mesmo que sua atitude cotidiana, por opção, esteja causando estragos que rendem assunto na barbearia e capas para as revistas semanais.



Mas não dá para tentar explicar que diferenciar o cachorro da família do boi em pé no Mato Grosso é o primeiro passo para viver um dia a dia de indiferença real, como no tempo em que se jogava o conteúdo dos penicos pela janela, e pronto. Tem gente que aprendeu desde cedo a ter uma resposta na ponta da língua, para não deixar que o eventual remorso atrapalhe os afazeres. Um alívio para a consciência, e uma salvaguarda contra os discursos e dados dos veganos, esses radicais cujas ideias subvertem a paz e o amor no qual o mundo flutua, hoje e sempre.

Vanguarda abolicionista – Marcio de Almeida Bueno

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