A indústria da carne e alguns de seus aspectos
Desde o homem primitivo há indícios do consumo de carne na dieta humana. Sem o conhecimento da agricultura, a caça de animais supria necessidades calóricas. Porém, de lá para cá, muita coisa mudou. A pecuária tornou-se a principal atividade de países como o Brasil e, em países com menos extensão – portanto, com menos locais para a criação de animais – , surgiu a pecuária intensiva. Os malefícios que uma dieta rica em carne traz e os métodos de produção, abate e comercialização dela colocam em voga o assunto vegetarianismo. Mas, fora isso, circundam a indústria da pecuária outras questões, bem menos passíveis de discordâncias: impacto ambiental e o crescimento de “alternativas” para desperdícios monetários na criação dos animais – a carne de vitela, por exemplo.
A pecuária bovina intensiva e extensiva
A expansão da criação de animais e da industrialização da carne tem como premissa o suposto abastecimento alimentar de um contigente maior de pessoas. Porém, o maior índice de consumo per capita da proteína animal concentra-se nos Estados Unidos – são 43,8 kg anuais, de acordo com o Imazon, Departamente de Agricultura dos Estados Unidos e o Instituto FNP. Se o mundo seguisse o padrão de consumo americano, a criação de animais teria que ser triplicada. Para isso, seria necessária a expansão da técnica de produção de confinamento, já que o espaço para a produção extensiva não existiria.
Aliás, atualmente, 78% de áreas da Amazônia são desmatadas para a pecuária, conforme dados do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), divulgados na revista Época em 2007. Desses 78%, grande parte é ocupada de forma ilegal. Terras públicas são tomadas e, para justificar a posse ao Estado, o criador mostra o rendimento que seu rebanho pode trazer (e que, de fato, traz, caso fosse possível descontar os desequilíbrios ambientais acumulados). Assim sendo, produzir em terras desmatadas na Amazônia sai financeiramente mais em conta do que comprar terras no Sul ou Sudeste (regiões com terras naturalmente propícias para a atividade pecuária).
A atual corrida pela ampliação pecuária, no Brasil, deve-se ao fato do crescimento do consumo. A demanda pela carne cresceu em 35% nos últimos 10 anos. Nosso país, um dos países que mais fornecem essa commodity, recebeu grandes incentivos para a ampliação do negócio. Para os países desenvolvidos, melhor que o latinoamericano emergente desmatasse a Amazônia. Assim, não ficavam eles com a fama de irresponsáveis. Afinal, na Europa é praticamente inviável a pecuária extensiva. E a intensiva sai na frente no que diz respeito aos malefícios: os animais confinados são alimentados à base de ração; a ração é feita à base de cereais; 50% dos cereais produzidos no mundo são destinados à fabricação dessa ração.
Além disso, animais confinados produzem resíduos tóxicos que, por ficarem mais concentrados (o espaço territorial da criação intensiva é pequeno, se comparado com a extensiva), acabam poluindo o lençol freático da região. A Water Information System for Europe estima que grande parte da poluição das águas europeias, entre 50% e 80%, tenha se dado em decorrência da pecuária intensiva ou de confinamento. Há também a questão do efeito estufa: especialistas dizem que os gases liberados pelo gado no processo de ruminação – o metano, principalmente – são mais danosos que os liberados por carros.
Apesar de todos esses contras, alguns economistas brasileiros, como Guilherme Leite Dias (professor da USP), defendem esse tipo de criação. Resta a cada um pesar o que é “menos pior:” a devastação de terras com alta biodiversidade (o que acarreta em muitos outros fatores além da ameaça de extinção para a fauna e flora locais, como a erosão de solos) ou tudo o que envolve o esquema da pecuária intensiva: produção de cereais em detrimento de rações e não do problema da fome humana – vale lembrar que a carne também mata a fome, mas só de quem tem pode aquisitivo maior – questões éticas no que tange ao bem estar animal e poluição de solo e água.
A carne de vitela
Outro ponto negro, talvez um dos mais crueis, diz respeito à produção do leite de vaca. Como se sabe, salvo em casos de desiquilíbrios psicológicos e hormonais, a vaca é como a mulher ou qualquer outro mamífero: só produz leite quando tem a cria. Por isso, para um considerável número de litros de leite ($$$), ela dá bezerros incessantemente, através da inseminação aritificial. Quando nascem fêmeas, ótimo: mais futuras mamães de tetas gordas. E quando nascem machos, o que fazer? Os bezerros de sexo masculino tem valor comercial ínfimo. A solução é vendê-los a preço de banana.
Alternativa a esse desperdício comercial é a produção de carne de vitela, o Baby Beef. Funciona assim: os machos são colocados em espaços minículos e escuros, onde não consigam caminhar. Assim, apertados, são alimentados à base de leite e, certas vezes, recebe doses de pasto ou ração. Eles ficam anêmicos e seus músculos não se desenvolvem. É o estado perfeito para as características da carne de vitela: coloração branca e macia. O custo de produção é caro, por isso a vitela é digna somente dos restaurantes mais caros e dos paladares mais refinados. Em países como a Holanda, aprecia-se muito. No Brasil, apesar de haver pouco público, nota-se incentivos a esse tipo de carne. Em 2008, a revista VEJA ABC premiou como “melhor restaurante da região, a melhor carta de vinhos e o melhor variado, além de chef do ano (…) e melhor carne” um restaurante de Santo André (SP) que se chama nada mais nada menos do que BabyBeef. Outros restaurantes da linha Baby Beef costumam ser os tops no que diz respeito a premiações da revista Gula e do Guia Quatro Rodas, como BabyBeef Rubayat. Para esse tipo de carne, a desculpa da demanda-populacional- por-alimentos não serve.
A avicultura
Por enquanto, a questão girou quase que só em torno da criação bovina. A avicultura, outro ramo forte da pecuária brasileira, está consolidada como, majoritariamente, na modalidade de confinamento também envolve os mesmos problemas dos cereais para a fabricação da ração. A suinocultura e ovinocultura, idem. Além disso, a criação de aves parece ser a menos ética, e a mais repugnante, mesmo para quem é fã da carne de frango e do ovo de granja. Isso porque as galinhas vivem em gaiolas muito pequenas em galpões com pouco ar (esqueça a visão bucólia e romântica do sítio com galinhas circulando livremente!).
Para as galinhas de postura de ovos, uma luz artificial fica ligada dia e noite: elas não podem dormir, do contrário a produção de ovos cai. Os criadores notaram (por que será?) que as galinhas, nesse regime, ficavam estressadas e cometiam o canibalismo. Por isso, tiveram a ideia de, logo que nascessem os pintinhos, os bicos teriam de ter suas pontas cortadas. O resultado foi melhor do que esperavam, pois além de solucionar a questão do canibalismo, notou-se o engorde mais rápido dos animais – a ponta do bico servia para a seleção dos grãos, porém, com o bico mais largo, as aves não conseguem selecioná-los e comem mesmo os grãos que não gostariam.
A carne mecanicamente separada
A carne mecanicamente separada, CMS, foi criada na década de 50 pelos Estados Unidos. Os consumidores de frango preferiam filé e cortes inteiros , e não a ave inteiro. Por isso, foi necessário utilizar o que sobrava, afinal, ossos, carcaça e outras arte ainda ficavam com carne. Nesse sentido, as máquinas de separação mecânica foram desenvolvidas para conseguir utilizar a carne que ia para o lixo.
Após o processo de separação, a “carne”, uma massa pastosa, deve ser imediatamente congelada. Depois, serve para a fabricação de alimentos como salsichas, lingüiças e empanados. De acordo com a Revista Eletrônica de Veterinária, há limites na dosagem de CMS nesses produtos – a salsicha e a mortadela podem ser compostas de até 60% dessa carne. Produtos que inserem a população de baixa renda no consumo da carne e ainda aumentam a lucratividade do setor.
E a dieta sem carnes ainda não é solução universal
Deixando de lado os assuntos éticos, porque parece que a maioria das pessoas já se acostumou em saber que alguém faz o serviço sujo para elas desfrutarem do prazer da carne, vamos às resoluções. Não, o mundo não vai virar vegetariano. Até porque, uma boa parte da população de baixa renda recém agora conseguiu incluir um pedaço de carne em suas refeições semanais. A mudança de hábito alimentar, impulsionada pelo aumento na produção, pela desestabilização do dólar é mundial. O próprio coordenador do Greenpeace reconhece que pedir para que se freie o consumo de carne é inviável e até cruel para com as pessoas que sempre desejaram o consumo da carne.
A alimentação vegetariana ainda é cara, pois os cereais, grãos e leguminosas que substituem a proteína animais não são produzidos em quantidade suficiente. Seria porque a pecuária toma o lugar deles? Talvez sim. Tudo parece um grande círculo vicioso que envolve uma cultura enraizada e, é claro, a construtora (e não removedora, nesse caso) de montanhas, economia. A questão, agora, não é a pregação do vegetariasmo, que até então não comove muito. A diminuição do consumo de carne, no entanto, pode ser uma via mais bem recebida, até porque sabe-se que o exagero leva a problemas de saúde. Comprovadamente, o excesso de carne em uma dieta relaciona-se com o aumento dos níveis do colesterol ruim, com a elevação da chance do desenvolvimento de cânceres (principalmente o câncer colorretal) e das doenças reumáticas e coronárias, e sobrecarga nos rins (devido ao excesso de proteína). Comer, mas comer menos… uma alternativa mais concreta enquanto ativistas vegetarianos seguirem tachados de radicais ingênuos.
pelo viés de Liana Coll
via Desprazeres da carne « revista o Viés.
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