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março 18, 2010

Veganismo, meio ambiente e sustentabilidade

Você poderia primeiramente falar um pouco de si? (Cidade de origem, formação acadêmica, área de atuação, como conheceu o Veganismo, etc.).
Nasci em Florianópolis, em 1981. Atualmente curso mestrado em Ética e Filosofia Política na UFSC. Meu tema de dissertação, orientado pela Profª Drª Sônia T. Felipe, é o seguinte: "Deveres Humanos e Direitos Animais: Análise Crítica Comparativa das Propostas Éticas em Defesa dos Animais Não-humanos de Peter Singer e Gary L. Francione". Minha formação acadêmica é na área das artes; formei-me em Licenciatura em Música pela UDESC, em 2004. Atualmente trabalho como Professor de música e presto uma colaboração voluntária escrevendo artigos sobre Ética animal para a revista eletrônica Pensata Animal (www.sentiens.net), que é um site comprometido com a proposta dos Direitos Animais, portanto, que defende a abolição de todas as práticas humanas que utilizem os animais não-humanos como se fossem meros meios para fins humanos. Conheci a idéia do veganismo lendo as obras de filósofos como Peter Singer, Sônia T. Felipe e Tom Regan.





Como surgiu a idéia do site? Que projetos sociais ele apóia /desenvolve?
O site surgiu a partir da idéia de proporcionar para o público, em língua portuguesa e de maneira gratuita, a discussão que acontece há mais de três décadas em todo o mundo, principalmente no campo da ética aplicada e também na área do direito e da educação, sobre o status moral dos animais não-humanos. A idéia é que as pessoas tenham acesso aos argumentos filosóficos que questionam a moralidade vigente, esta que só considera dignos de respeito moral os indivíduos nascidos com a configuração biológica da espécie Homo sapiens. Desde o ano passado, o site vem então publicando artigos de filósofos, juristas e educadores sobre essa questão. Além deste projeto, que é o objetivo principal do site, Maurício Varallo, o editor-chefe da Pensata Animal, lançou a campanha "Chumbinho Não!", que reivindica a proibição da venda do veneno conhecido como aldicarbe, que há décadas vêm causando intoxicação e mortes tanto de indívíduos de outras espécies, quanto de humanos, e que já é proibido em alguns países, como a Alemanha, por exemplo.



O que significa ser vegano, na sua opinião?
Ser vegano é uma conseqüência lógica de se reconhecer que não há uma justificativa ética (universal, geral e imparcial) para se escravizar e matar indivíduos que nasceram com o formato biológico de outras espécies simplesmente pelo fato deles não terem nascido com a configuração da nossa espécie. Tal escravidão é fundada no preconceito de aparências conhecido como especismo, que, segundo o criador do termo, o filósofo e psicólogo Sir Richard D. Ryder, é um preconceito análogo ao racismo e ao sexismo: aponta-se características no corpo do outro (que não são relevantes para se ter interesse em desfrutar da sua vida psicológica da melhor maneira possível), para se tentar "justificar" usá-lo como um mero meio para se chegar a um fim, com total desconsideração pelos seus interesses mais básicos, como não morrer e não sofrer. O especista, assim como o racista, por exemplo, culpa a sua vítima por esta não ter nascido com a aparência que lhe agrada, e usa isso como desculpa para causar violência ao corpo do outro. Quando é colocada a pergunta: "o que torna errado escravizar e/ou matar seres humanos e não torna errado fazer o mesmo com outros animais?" , muitas pessoas, para fugirem da acusação de especismo, apontam que o que torna os humanos dignos de respeito não é nosso formato de corpo mas o fato de possuirmos a posse plena da razão. Porém, ao fazerem isso, esquecem daqueles humanos que estão impedidos temporariamente ou permanentemente de fazer uso da razão (como bebês, idosos senis, comatosos ou aqueles com graves doenças mentais, por exemplo). Ninguém diria que é correto fazer uso deles como se fossem nossas "mercadorias" ou "modelos de testes" só porque eles carecem de uma capacidade que lhes impede de serem responsáveis por suas ações, mas não os impede de sofrer o malefício das nossas ações. Bom, se não é correto fazer uso desses humanos que carecem da posse plena razão, então não podemos apontar a falta racionalidade nos animais como desculpa para usar estes. Ser vegano é uma conseqüência lógica de entender esse e outros argumentos que apontam para a nossa incoerência moral, incoerência esta que todo ser racional deveria evitar de praticar.





Há quanto tempo existe o movimento? Que grupos existem na região?
O movimento de Libertação Animal, que reivindica uma revisão do status moral dos animais não-humanos buscando livrá-los da dor e sofrimento imposta por nós teve seu início a partir da publicação da obra Libertação Animal, do filósofo australiano Peter Singer. O movimento pelos Direitos Animais inicia alguns anos mais tarde, e tal como proposto pelo filósofo norte-americano Tom Regan (The Case for Animal Rights, 1985) e continuado pelo filósofo e jurista Gary L. Francione, reivindica a abolição (e não meramente uma regulamentação para que sofram "menos") de todas as práticas que escravizam os animais (e causam-lhes dano e morte, por exemplo) e que os rebaixa ao status de mero item de propriedade, meras "coisas" que servem aos interesses humanos. Assim, o movimento pelos Direitos Animais segue a mesma lógica de outros movimentos por justiça social, como o que reivindicou a abolição da escravidão dos africanos e afro-descendentes e o que reivindicou o fim da opressão sobre a mulher. Na região da grande Florianópolis, existe atualmente lutando pelos Direitos Animais o grupo CPDA (Comitê para Pesquisa, Divulgação e Defesa dos Direitos Animais) e o GAE (Grupo pela Abolição do Especismo), que conta com um grupo também em Porto Alegre (www.gaepoa.org).





Como os vegetarianos encaram os veganos? Existe um respeito mútuo?
Toda crítica deve ser feita apenas a atos e idéias, e não a pessoas inteiras. O veganismo é única posição coerente quando se reconhece que aos animais é devido o respeito, mas isso não significa que alguém vegano não erra em muitas de suas outras ações. O que deve ser criticado é o ato: apontar os argumentos do por que é errado consumir carne, leite, ovos ou outro produto que provenha da escravidão animal. Deve-se ter em mente que alguém que participa (muitas vezes por não conhecer esses argumentos) da exploração animal, pode ser uma pessoa que faz milhares de outras coisas boas e respeitosas, e está errando com relação a este ato específico de contribuir com a escravidão animal. Mantendo essa idéia de que todos nós erramos muitas vezes; assumindo os erros que cometemos; e criticando os atos e idéias, e não as pessoas inteiras, podemos garantir o respeito mútuo não só entre veganos e vegetarianos, mas entre todas as pessoas que venham debater conosco sobre qualquer assunto. A incoerência que os veganos apontam, com relação ao vegetarianismo, é que não há diferença moral entre consumir carne e consumir outros produtos de origem animal como leite e ovos. Os animais usados na produção de leite e ovos provavelmente sofrem uma agonia ainda pior do que aqueles destinados ao abate, e com certeza, como são vistos como meras máquinas de converter ração em produtos, terminarão seus dias num abatedouro também, quando pararem de produzir. Isso sem contar que a indústria de vitela (que são os bezerros recém-nascidos) - uma das que envolve os piores graus de inflição de dor e sofrimento - é um sub-produto da indústria leiteira, e jamais cessará enquanto houver a primeira.





Existe algum embasamento científico em que os adeptos se apóiem para refutar alimentos derivados de animais ou esta questão seria estritamente a favor do meio ambiente?
A crítica ao consumo de produtos de origem animal é de ordem ética, não científica. Isso não significa que não seja uma questão objetiva, como na ciência. A ética, por também estar fundada na razão, dá ferramentas para que possamos analisar se os atos podem ou não ser justificáveis, de um ponto de vista universal (no sentido em que seus argumentos apresentem uma consistência lógica, e, por isso, qualquer ser racional possa compreendê-los e aceitá-los - por exemplo, as premissas das quais ele parte precisam ser verdadeiras e a conclusão precisa derivar logicamente delas), geral (que é um apelo à coerência do agente moral: se trato casos semelhantes de forma diferente, devo dar uma explicação do por que enquadrei este caso num princípio diferente; não conseguindo mostrar a diferença relevante que justifique tratamento diferente, devo usar o mesmo princípio) e imparcial (onde não se discrimine nenhum indivíduo devido a características que não são relevantes para o assunto do qual está se tratando; por exemplo, a espécie biológica na qual se nasce não interfere em se ter um interesse em viver, portanto não pode ser usada para justificar tirar a vida do outro). Além disso, o principio ético precisa sempre apontar o benefício para aquele que sofrerá a nossa ação, além de ser algo que estejamos preparados a agir com base nele, e exigir que os outros ajam da mesma maneira quando formos os pacientes das ações destes. Com isso, já estão excluídos de serem éticos todos aqueles princípios que visem apenas interesses pessoais ou de grupos específicos. Um exemplo de aplicação a um caso prático do raciocínio ético (como descrito nessa questão) é a resposta da questão número 3. Apenas para esclarecer um ponto: como respondido anteriormente, os Direitos Animais são fundados no respeito por cada indivíduo (cada animal, não-humano ou humano, possui valor inerente) e não com relação à espécie ou ao meio ambiente como um todo. Então, o veganismo parte de uma questão de consideração moral pelos indivíduos, sem fazer discriminação de espécie, e não com relação ao meio ambiente (porém, a consideração pelo meio-ambiente não é jogada fora, ela está embutida indiretamente).





Que questões ambientais os veganos apóiam? Existe alguma em específico aqui na nossa região?
Não apenas todo vegano, mas todo ser que sabe que suas ações causam um dano à natureza deveriam apoiar causas que visem preservar esta. Porém, as pessoas devem saber diferenciar as medidas que visam preservar a natureza para tornar possível uma exploração mais eficiente e lucrativa dela mais tarde - e além disso, causar dano a todos os animais que ali vivem, por exemplo - das que visam realmente preservar a natureza pelo seu valor inerente, que é logicamente independente da utilidade que ela possa ter para nós. As questões ambientais e de defesa animal que os veganos apóiam são as mesmas que qualquer outra pessoa deveria apoiar, então, penso que, apesar de Florianópolis possuir suas práticas danosas aos animais e ao meio ambiente específicas, elas seguem a regra que está presente em todo lugar: escravidão de animais para consumo, experimentos, entretenimento, vestimenta, tração, degradação ambiental feita por empresas e por nós enquanto indivíduos que consumimos. Precisamos então repensar o que consumimos e educar as pessoas, com argumentos consistentes, para que possam refletir elas mesmas sobre essas questões.



De que forma se propaga a filosofia vegana?
Através do raciocínio ético. Tudo o que queremos é que as pessoas pensem sobre os preconceitos que herdaram há milênios e entendam que seres que se dizem racionais não podem adotar preconceitos irracionais como princípios de conduta, ainda mais quando o cultivo desses preconceitos representa um dano enorme para os que serão atingidos por nossas ações. Porém, nós, defensores dos Direitos Animais, queremos que as pessoas pensem, então daí a necessidade de se apresentar os argumentos para as pessoas, inclusive os argumentos daqueles que defendem o uso de animais, e suas respectivas refutações pelos filósofos abolicionistas. Desta maneira, é possível não apenas propagar o veganismo, mas dar também para as pessoas, a possibilidade da compreensão sobre onde está o erro com o uso de animais. Assim, o movimento tem buscado perguntar para as pessoas, através da educação informal, (como por exemplo panfletos e internet, ou mesmo conversando com amigos) questões como "o que torna errado escravizar os humanos e certo escravizar não-humanos?" e apontando que qualquer resposta que se dê para tentar excluir todos os animais, vai sempre excluir muitos humanos, e toda resposta que se dê para incluir todos os humanos vai sempre incluir os animais também (ver, por exemplo, a questão número 3).



Como o veganismo pode ajudar a preservação do meio-ambiente?
A indústria da fabricação de animais para consumo (carnes, leites, ovos entre outras coisas) é uma das mais degradantes do ponto de vista ambiental. Não contribuir para isso e educar os outros para que não contribuam tem grandes chances de representar uma ajuda para preservar o meio-ambiente. Talvez, seja a ajuda mais importante que possamos dar agora, pois, com o risco que corre o planeta, e com o tamanho da dor e morte de bilhões de indivíduos que é causada por esse tipo de exploração, estaremos - ao nos tornarmos veganos - tanto respeitando os animais quanto tentando preservar a natureza.



Na sua opinião, qual é a importância da sustentabilidade para o futuro do planeta?
Ela é importante porque diminui drasticamente o impacto ambiental. No entanto, pode acontecer que uma política de sustentabilidade seja exemplar em evitar danos ao meio ambiente, mas esteja embasada numa visão que não respeite o valor inerente dos indivíduos animais (numa visão especista). Por exemplo, é possível que exista uma produção de animais para consumo, que seja altamente sustentável e cause o mínimo de impacto ambiental, e que anestesie os animais antes de abatê-los. Essa proposta, apesar de sustentável e estar de acordo com as normas de bem-estar animal não estaria sendo coerente com o princípio do respeito (que prescreve agir respeitando o valor inerente do outro indivíduo, não usando-lhe como se fosse uma mera coisa, ainda que esse dano possa representar um ganho para outros indivíduos) que é o principio da filosofia dos Direitos Animais. No exemplo fictício que dei, os animais ainda estão sendo vistos como meros meios para fins (banais, diga-se de passagem) humanos, sofrendo, entre outras coisas, o dano da morte. Agora, juntar uma produção de alimentos veganos com estratégias que visem causar o mínimo de impacto ambiental seria o ideal.




Entrevista com Luciano Carlos Cunha, ativista pelos direitos animais, sobre veganismo, meio-ambiente e sustentabilidade, concedida por e-mail ao repórter Aelton Antunes, do jornal Diário da Cidade de Balneário Camboriú/SC, em 07 de Junho de 2008.

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