Em prol do Planeta, da saúde e da ética, ativistas propõem um desafio: não comer carne nas segundas-feiras. Você consegue?
Reportagem VINÍCIUS DE CARVALHO
Edição CAROLINA GOETTEN
Edição CAROLINA GOETTEN
HENRIQUE KUGLER Paula Brügger, uma das palestrantes, ministrou uma aula interativa sobre culinária vegetariana |
INSTITUTO PEABIRU Além do princípio da não-violência, o vegetarianismo também é movido por razões ambientais |
No último sábado, 20 de março, reparei que visitava o Mercado Municipal com maior frequência desde que me tornara vegetariano. Não à toa, já que a pluralidade de opções e sabores à venda prende por muito tempo qualquer aspirante a cozinheiro e agrada a todo tipo de paladar: frutas, verduras, legumes, infinidade de temperos, vinhos... bichos. "Ele vai crescer e vai perder esse encanto de filhote. Você tem que continuar brincando com ele mesmo assim", recomenda por ali um pai a seu filho, após comprar-lhe um minicoelho etiquetado em R$70. A cena me resgatou os dois porquês daquele dia: o porquê de ser vegetariano e o porquê de estar ali.
Tratava-se do lançamento da campanha Segunda-feira Sem Carne: Descubra Novos Sabores, uma iniciativa da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) a partir de um projeto semelhante lançado por Paul McCartney nos Estados Unidos, o Free Meat Monday. No setor de orgânicos, a movimentação crescia ao redor das lojas verdes. O próprio nome da campanha foi uma bela jogada de marketing, já que muitos dos participantes estavam ali por curiosidade. Num debate com Ricardo Laurino, coordenador da SVB em Curitiba e vegetariano há 20 anos, concordamos que a sutileza da sugestão (um convite a descobrir pratos diferentes) trazia um público diversificado aos estandes, cada qual apresentando o vegetarianismo a partir de um determinado ponto de vista - "pela saúde, pela sociedade, pela ética", salienta Laurino.
Num destes estandes, surpreendi-me folheando um livro chamado "Libertação Animal", que eu já havia procurado na Biblioteca Pública (onde só há uma versão em Braille para consulta local) e vasculhado na internet, sem sucesso. A obra foi escrita em 1975 e fomentou a consciência, ações e movimentos no que se refere à ação humana inflingida a outros animais. Ter encontrado um desses exemplares ali era, certamente, uma evidência de que o evento corresponderia às minhas expectativas.
Mercadão em tons de verde
A escolha do Mercado Municipal como sede do lançamento da campanha, pelo espaço amplo e diversificado, possibilitava que, além das palestras, os participantes conhecessem novas receitas veganas, livros sobre o tema e ingredientes ricos em proteína de origem não-animal. Na cozinha, fiz inscrição para a aula de Lilian Rodrigues, vegana há nove anos e famosa pelos cursos de chocolateria em Curitiba. Ela abriu uma exceção salgada, então aprendemos a fazer uma quiche de brócolis com queijo de soja - e, além da receita, também aprendemos a etimologia do termo "vegetarianismo", que não se refere à alimentação vegetal, mas vem do termo latim vegetus e significa forte, vigoroso, saudável.
No evento, muitos participantes observaram que retirar a carne do cardápio nas segundas-feiras, embora aparente ser uma atitude simples, talvez não o seja. Joyce, de 65 anos, comenta que a campanha fez com que ela mudasse sua visão sobre o vegetarianismo. "Decidi aderir e convidei também minha filha", conta. Se tentar convencer a população a aderir ao vegetarianismo ao menos um dia representa uma atitude ainda tímida, é inegável que, no mínimo, a medida se propõe a questionar os costumes e a própria cultura alimentar. Ao mesmo tempo que muitos reagem com asco à pratica de comer carne canina, comum em países como a China ou a Coréia, pode causar estranheza a adoção do vegetarianismo a partir dos princípios da não-violência e do respeito à vida, por exemplo, que motivam a religião janista, uma das mais antigas da Índia. Abrir tais espaços para o debate possibilita explorar o vegetarianismo pelos mais diversos prismas - não somente a motivação mais conhecida, que se baseia no respeito aos animais.
Almocei com a mesma Lilian dos cursos de chocolateria, que nasceu em Porto Alegre mas mora em Curitiba há cinco anos. Depois de convencermos o chinês ali do Mercado a trocar o bife do dia por batatas-fritas (e recusar as sugestões de ovo, peixe...), perguntei a ela se era mais fácil convencer as pessoas pelo estômago. "Já respondi mais de mil vezes os porquês da adoção do vegetarianismo, mas as pessoas parecem se convencer mais facilmente quando se trata da nossa saúde, ou da atitude diante de questões ambientais", ela explica. Lilian observa que, além do respeito aos animais, há também uma postura ética e política. "A cozinha é um espaço interessante para se questionar costumes diversos, não só os alimentares. A prática de cozinhar atrair muito mais mulheres do que homens", observou a ativista. De fato, eu era o único homem a assistir à aula. Ela ainda discorria sobre o veganismo e a Lei Expedito (ver box), que aguarda votação para ser aprovada. Então, concluiu: "a cena vegana cresce".
Um projeto de Lei em trâmite na Assembleia Legislativa - a Lei Expedito - determina que todo produto alimentício, de higiene, cosméticos e roupas, indique no rótulo se contém ingredientes ou insumos de origem animal.
“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
Parágrafo único. O fornecedor deverá informar, em rótulo ou etiqueta, sobre a existência no produto de componente de origem animal.”
Uma dieta, várias visões
Apesar dos novos prismas de observação do vegetarianismo, o debate ético, contra a exploração animal e do meio ambiente, ainda é um tema secundário diante da discussão que envolve a dieta alimentar. Durante o dia, foram apresentados inúmeros depoimentos pessoais quanto às melhorias na saúde de quem se tornou vegetariano. Na palestra sobre sugestões de dieta, conheci a nutricionista Fernanda Anita. Como ex-aluna da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ela conhece a situação dos Restaurantes Universitários em sua constante falta de saladas e opções para quem não come carne. Fernanda realizou um estudo sobre a saúde de crianças participantes da Igreja Adventista do Sétimo Dia e concluiu que há uma relação direta entre a religião, a expectativa de vida e a dieta vegetariana. Essa relação é mais intensa do que se imagina: estima-se que aproximadamente 35% dos adventistas norte-americanos sejam adeptos do vegetarianismo e pesquisas indicam que eles vivem, em média, 89 anos, uma década a mais do que a média geral dos Estados Unidos. John Harvey Kellog (parece familiar?), médico, adventista e vegetariano, após estudar hábitos alimentares de alguns pacientes, criou o cereal que leva seu nome.
À tarde, na solenidade de lançamento oficial da campanha, foi lida a carta escrita por Paul McCartney, precursor da iniciativa. A prática, que surgiu nos Estados Unidos em 2003, parece ter espalhado a discussão sobre o tema. Cada autoridade a discursar, vestindo a camisa do movimento vegetarianista, foi ovacionada pela plateia; a primeira-dama Fernanda Richa, que não estava presente, enviou mensagem de apoio à segunda sem carne em Curitiba. Também Marly Winckler, coordenadora nacional da SBV, elogiou a iniciativa local: "Isso facilita o debate e tende a torná-lo mais amplo".
Carne no cardápio é mesmo indispensável?
A preocupação ecológica que motiva a campanha se baseia nas estatísticas da indústria de carne e da depredação ambiental causada pela agropecuária. Além da premissa de que uma cultura de paz é incompatível com práticas de tortura e morte dos animais (princípio da não-violência), os vegetarianos envolvem-se numa questão ambiental: uma pesquisa da FAO (Food and Agriculture Organization) realizada em 2009 indicou que a indústria de carne é responsável por 18% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa, ao passo que todos os transportes somados geram 13%. Também a pecuária, em estudos realizados pelo Ministério da Agricultura, é responsável por 80% do desamatamento no bioma amazônico e 14% em todo o mundo. Quanto à necessidade de se produzir alimentos para suprir a carência mundial, a FAO também revelou que a indústria de carne não é a alternativa mais eficiente. Além de não chegar aos países mais pobres, por ser um produto de alto valor, são necessários de 3 a 10kg de proteína vegetal (como milho e soja) para produzir um quilograma de proteína animal.
A defesa de vegetarianos ativistas como Lilian é que as propriedades nutritivas da carne são semelhantes às encontradas na soja, no glúten e outros alimentos de origem vegetal. E o questionamento lançado por Paul McCartney, ao propor que sejamos vegetarianos por ao menos um dia durante a semana, é desafiador: precisamos mesmo de carne?
Do evento todo, ficam algumas constatações. Primeira feira vegetariana de rua com frequência semanal (ver box); segunda capital brasileira a aderir à campanha por uma segunda-feira sem carne, sendo precedida apenas por São Paulo; pimeira Mostra Internacional de Cinema pelos Direitos dos Animais; Universidade Livre do Meio Ambiente. Difícil negar que o vegetarianismo, cada vez mais, conquista seu espaço no cenário curitibano.
Com alimentos livres de qualquer ingrediente de origem animal, num primeiro momento a Feira Vegetariana de Rua, primeira do país, pode ser confundida com barraquinhas de horta e pomar. No entanto, a iniciativa da SVB é justamente reverter o senso comum de que vegetarianos só comem salada ou derivados de soja. Cachorro quente, hambúrguer, tortas e sanduíches, a variedade atrai qualquer transeunte que estiver na Praça 29 de Março aos sábados, quando o espaço é tomado não só pela gastronomia, mas por discussões sobre a adoção do vegetarianismo.
Para mais informações, acesse www.feiravegetariana.com.br
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